26 de julho de 2021

Brinquedo de pobre


Eu quero dar a ideia de um divertimento inocente. Há tão poucos divertimentos que não tenham algo de culpável!
Quando você sair de manhã com a intenção decidida de vadiar pelas estradas, encha sua bolsa de invenções baratas — tais como, um polichinelo movido à corda, os ferreiros que batem na bigorna, um cavaleiro com seu cavalo cuja cauda é um apito — e, ao longo dos cabarés, ao pé das árvores, faça uma homenagem às crianças desconhecidas e pobres que você encontrar. Você verá os olhos delas se arregalarem desmesuradamente. De início, não ousarão pegar os presentes, duvidarão da própria felicidade. Depois suas mãos agarrarão, rapidamente, o presente e fugirão como fazem os gatos que vão comer longe de você o pedaço que você lhes deu, tendo aprendido a desconfiar dos homens.
Em uma estrada, atrás da cerca de um vasto jardim, ao fim do qual aparecia a brancura de um lindo castelo ensolarado, havia um menino lindo e sadio, vestido com essas roupas do campo e cheio de elegância.
O luxo, o descuido e o espetáculo habitual da riqueza tornam essas crianças tão bonitas que a gente crê que sejam feitas de outra matéria que os filhos da mediocridade e da pobreza.
Ao lado dele, jazia, sobre a relva, um brinquedo esplêndido, tão novo quanto seu dono, envernizado, dourado, vestido com uma roupagem purpurina e coberto de plumas e de vidrilhos. Mas o menino não se ocupava de seu brinquedo preferido e vejam para o que ele olhava: do outro lado da cerca, na estrada, entre os espinhos e as urtigas, havia outro menino, sujo, magro, fuliginoso, uma dessas párias mirins, em quem um olho imparcial descobriria beleza, sim, como o olho de um conhecedor adivinha uma pintura ideal sob o verniz de carroceiro e o limpa da repugnante pátina da miséria.
Através dessas barras simbólicas separando os dois mundos, a estrada e o castelo, a criança pobre mostrava à criança rica o seu próprio brinquedo, que esta examinava avidamente como um objeto raro e desconhecido. Ora, tal brinquedo, que o pequeno sujinho irritava, agitava e sacudia dentro de uma gaiola, era um rato vivo! Os pais, por economia, sem dúvida, tinham tirado o brinquedo do dia a dia da vida.
E os dois meninos riam, um para o outro, fraternalmente, mostrando os dentes de igual brancura. 

Charles Baudelaire

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