19 de março de 2018

As joias


A amada estava nua e, por ser eu seu amante, 
Das joias só guardara as que o bulício inquieta, 
 Cujo rico esplendor lhe dava esse ar triunfante 
 Que em seus dias de glória a escrava moura afeta. 
 
Quando ela dança e entorna um timbre acre e sonoro, 
 Este universo mineral que à luz figura 
 Ao êxtase me leva, e é com furor que adoro 
 As coisas em que o som ao fogo se mistura. 
 
Ela estava deitada e se deixava amar, 
 E do alto do divã, imersa em paz, sorria 
 A meu amor profundo e doce como o mar, 
 Que ao corpo, como à escarpa, em ondas lhe subia. 
 
O olhar cravado em mim, como um tigre abatido, 
 Com ar vago e distante ela ensaiava poses, 
 E o lúbrico fervor à candidez unido 
 Punha-lhe um novo encanto às cruéis metamorfoses. 
 
E sua perna e o braço, a coxa e os rins, untados 
 Como de óleo, imitar de um cisne a fluida linha,
 Passavam diante de meus olhos sossegados; 
 E o ventre e os seios, como cachos de uma vinha, 
 
Se aproximavam, mais sutis que Anjos do Mal, 
 Para agitar minha alma enfim posta em repouso, 
 Ou arrancá-la então a rocha de cristal 
 Onde, calma e sozinha, ela encontra pouso. 
 
Como se a luz de um novo esboço, unidade eu via 
 De Antíope a cintura a um busto adolescente, 
 De tal modo que os quadris moldavam-lhe a bacia. 
 E a maquilagem lhe era esplêndida e luzente! 
 
- E estando a lamparina agora agonizante, 
 Como na alcova houvesse a luz só da lareira 
 Toda vez que emitia um suspiro faiscante,
Inundava de sangue essa pele trigueira.
 
Charles Baudelaire

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