Uma série de filmes populares têm mostrado o espantoso fenômeno do pôr e incubar ovos pelas tartarugas marinhas. A fêmea sai da água, arrasta-se até um ponto seguro na praia que a maré não alcança, cava um buraco, deposita centenas de ovos, cobre-os e volta para o mar. Passados dezoito dias, uma turba de minúsculas tartarugas sai andando pela areia e, como corredores ao ser dado o tiro de partida, correm para a forte rebentação tão rapidamente quanto podem, enquanto as gaivotas descem ruidosas para apanhá-las.
Não se poderia desejar uma representação mais vívida da espontaneidade e da busca do ainda-não-visto. Não se trata aqui de um aprendizado por tentativa e erro; tampouco aquelas coisinhas minúsculas têm medo das grandes ondas. Elas sabem que precisam apressar-se, sabem como fazê-lo e sabem exatamente para onde estão indo. E finalmente, quando entram no mar, sabem de imediato como nadar e que precisam nadar.
Os estudiosos do comportamento animal cunharam o termo "mecanismo liberador inato" (IMR = innate releasing mechanism), para designar a estrutura herdada do sistema nervoso que permite ao animal reagir diante de uma situação jamais vivida anteriormente, e denominam "estímulo sinal" ou "liberador" ao fator desencadeante da reação. É óbvio que a criatura viva que reage a tal sinal não pode ser o indivíduo, já que este não teve nenhum conhecimento prévio do objeto ao qual está reagindo. O sujeito que reconhece e reage é, antes, algum tipo de trans ou superindivíduo, habitando e movendo a criatura viva. Não vamos especular aqui sobre a metafísica deste mistério; pois, como Schopenhauer sabiamente observa em seu ensaio sobre O Propósito da Natureza, "estamos imersos em um mar de mistérios inescrutáveis, sem saber nem compreender o que nos rodeia e tampouco a nós mesmos". Os pintinhos, que mal saídos de suas cascas já correm em busca de proteção quando se avizinha um falcão, não fazem o mesmo ante uma gaivota, um pato, uma garça ou uma pomba. E mais ainda, se fizermos sobrevoar por cima de um galinheiro um falcão de madeira preso à ponta de um arame, os pintinhos reagirão como se ele fosse verdadeiro, ao passo que se movimentarmos esse simulacro como se voasse para trás, os pintinhos não reagirão.
Aqui temos uma imagem extremamente precisa - jamais vista, porém reconhecida com referência não apenas à sua forma em movimento e relacionada a um sistema imediato, não planejado, não aprendido e até mesmo não intencional de ação adequada, ou seja: a fuga, para proteger-se. A imagem herdada do inimigo já existe latente no sistema nervoso e, junto com ela, a já bem-sucedida reação. Além disso, mesmo se todos os falcões do mundo desaparecessem, sua imagem continuaria adormecida na alma dos pintinhos - entretanto, jamais seria desperta, a não ser por artifício: por exemplo, uma repetição do experimento engenhoso do falcão de madeira preso à um arame. Com isso pelo menos por um certo número de gerações, a reação obsoleta da fuga para proteger-se se repetiria e, a não ser que soubéssemos do antigo perigo que os falcões representavam para os pintinhos, acharíamos difícil explicar essa fuga inesperada. "Por que motivo", poderíamos perguntar, "essa reação repentina por causa de uma imagem sem correspondente no mundo das aves? Gaivotas e patos vivos, garças e pombas os deixam indiferentes; mas aquele recurso engenhoso os toca em alguma corda muito profunda!"
Teríamos aqui uma pista para o problema da imagem da bruxa no sistema nervoso da criança? Alguns psicólogos afirmariam que sim. C.G. Jung, por exemplo, identifica dois sistemas fundamentalmente diferentes de reações motivadas de forma inconsciente no ser humano. A um deles chama de inconsciente pessoal. Ele está baseado em um contexto de imagens esquecidas, negligenciadas ou suprimidas da memória, oriundas da experiência pessoal (impressões infantis, choques, frustrações, satisfações etc.), como as que Sigmund Freud reconheceu e analisou em sua prática terapêutica. Ao outro sistema ele chama de inconsciente coletivo. Seus conteúdos - os quais denomina arquétipos - são justamente aquelas imagens como a do falcão no sistema nervoso dos pintinhos. Ninguém até hoje foi capaz de nos dizer como foi parar lá, mas o fato é que ela está lá!
"Uma imagem pessoal", ele escreve, "não tem nem caráter arcaico nem significado coletivo, mas exprime conteúdos inconscientes de natureza pessoal e uma inclinação consciente pessoalmente condicionada."
"A imagem primária que denominei arquétipo é sempre coletiva, isto é, comum a pelo menos povos inteiros ou a períodos da história. Os principais temas mitológicos de todos os tempos e raças são muito provavelmente dessa ordem; por exemplo, nos sonhos e fantasias dos neuróticos de raça negra, pude identificar uma série de motivos da mitologia grega."
"A imagem primária", ele então sugere, "é um depósito da memória, um engrama, derivado de uma condensação de inumeráveis experiências similares (...) a expressão psíquica de uma tendência natural anatômica e fisiologicamente determinada."
A ideia dos "arquétipos" de Jung é uma das principais teorias, hoje, no campo do nosso assunto. Ela é o desenvolvimento da teoria anterior de Adolf Bastian (1826-1905) que reconheceu, no curso de suas longas viagens, a uniformidade do que denominou "ideias elementares" da humanidade. Observando também, entretanto, que nos vários campos da cultura tais ideias são diferentemente articuladas e elaboradas, ele cunhou o termo "ideias étnicas" para as manifestações reais, locais, das formas universais. Em nenhum lugar, ele observou, as "ideias elementares" são encontradas em estado puro, abstraídas das "ideias étnicas" condicionadas localmente, através das quais as "ideias elementares" são substancializadas; antes, como a imagem do próprio homem, elas podem ser conhecidas apenas por meio da rica variedade de suas inflexões no panorama da vida humana, interessantes e com frequência surpreendentes, ainda que sempre, por fim, reconhecíveis.
Não se poderia desejar uma representação mais vívida da espontaneidade e da busca do ainda-não-visto. Não se trata aqui de um aprendizado por tentativa e erro; tampouco aquelas coisinhas minúsculas têm medo das grandes ondas. Elas sabem que precisam apressar-se, sabem como fazê-lo e sabem exatamente para onde estão indo. E finalmente, quando entram no mar, sabem de imediato como nadar e que precisam nadar.
Os estudiosos do comportamento animal cunharam o termo "mecanismo liberador inato" (IMR = innate releasing mechanism), para designar a estrutura herdada do sistema nervoso que permite ao animal reagir diante de uma situação jamais vivida anteriormente, e denominam "estímulo sinal" ou "liberador" ao fator desencadeante da reação. É óbvio que a criatura viva que reage a tal sinal não pode ser o indivíduo, já que este não teve nenhum conhecimento prévio do objeto ao qual está reagindo. O sujeito que reconhece e reage é, antes, algum tipo de trans ou superindivíduo, habitando e movendo a criatura viva. Não vamos especular aqui sobre a metafísica deste mistério; pois, como Schopenhauer sabiamente observa em seu ensaio sobre O Propósito da Natureza, "estamos imersos em um mar de mistérios inescrutáveis, sem saber nem compreender o que nos rodeia e tampouco a nós mesmos". Os pintinhos, que mal saídos de suas cascas já correm em busca de proteção quando se avizinha um falcão, não fazem o mesmo ante uma gaivota, um pato, uma garça ou uma pomba. E mais ainda, se fizermos sobrevoar por cima de um galinheiro um falcão de madeira preso à ponta de um arame, os pintinhos reagirão como se ele fosse verdadeiro, ao passo que se movimentarmos esse simulacro como se voasse para trás, os pintinhos não reagirão.
Aqui temos uma imagem extremamente precisa - jamais vista, porém reconhecida com referência não apenas à sua forma em movimento e relacionada a um sistema imediato, não planejado, não aprendido e até mesmo não intencional de ação adequada, ou seja: a fuga, para proteger-se. A imagem herdada do inimigo já existe latente no sistema nervoso e, junto com ela, a já bem-sucedida reação. Além disso, mesmo se todos os falcões do mundo desaparecessem, sua imagem continuaria adormecida na alma dos pintinhos - entretanto, jamais seria desperta, a não ser por artifício: por exemplo, uma repetição do experimento engenhoso do falcão de madeira preso à um arame. Com isso pelo menos por um certo número de gerações, a reação obsoleta da fuga para proteger-se se repetiria e, a não ser que soubéssemos do antigo perigo que os falcões representavam para os pintinhos, acharíamos difícil explicar essa fuga inesperada. "Por que motivo", poderíamos perguntar, "essa reação repentina por causa de uma imagem sem correspondente no mundo das aves? Gaivotas e patos vivos, garças e pombas os deixam indiferentes; mas aquele recurso engenhoso os toca em alguma corda muito profunda!"
Teríamos aqui uma pista para o problema da imagem da bruxa no sistema nervoso da criança? Alguns psicólogos afirmariam que sim. C.G. Jung, por exemplo, identifica dois sistemas fundamentalmente diferentes de reações motivadas de forma inconsciente no ser humano. A um deles chama de inconsciente pessoal. Ele está baseado em um contexto de imagens esquecidas, negligenciadas ou suprimidas da memória, oriundas da experiência pessoal (impressões infantis, choques, frustrações, satisfações etc.), como as que Sigmund Freud reconheceu e analisou em sua prática terapêutica. Ao outro sistema ele chama de inconsciente coletivo. Seus conteúdos - os quais denomina arquétipos - são justamente aquelas imagens como a do falcão no sistema nervoso dos pintinhos. Ninguém até hoje foi capaz de nos dizer como foi parar lá, mas o fato é que ela está lá!
"Uma imagem pessoal", ele escreve, "não tem nem caráter arcaico nem significado coletivo, mas exprime conteúdos inconscientes de natureza pessoal e uma inclinação consciente pessoalmente condicionada."
"A imagem primária que denominei arquétipo é sempre coletiva, isto é, comum a pelo menos povos inteiros ou a períodos da história. Os principais temas mitológicos de todos os tempos e raças são muito provavelmente dessa ordem; por exemplo, nos sonhos e fantasias dos neuróticos de raça negra, pude identificar uma série de motivos da mitologia grega."
"A imagem primária", ele então sugere, "é um depósito da memória, um engrama, derivado de uma condensação de inumeráveis experiências similares (...) a expressão psíquica de uma tendência natural anatômica e fisiologicamente determinada."
A ideia dos "arquétipos" de Jung é uma das principais teorias, hoje, no campo do nosso assunto. Ela é o desenvolvimento da teoria anterior de Adolf Bastian (1826-1905) que reconheceu, no curso de suas longas viagens, a uniformidade do que denominou "ideias elementares" da humanidade. Observando também, entretanto, que nos vários campos da cultura tais ideias são diferentemente articuladas e elaboradas, ele cunhou o termo "ideias étnicas" para as manifestações reais, locais, das formas universais. Em nenhum lugar, ele observou, as "ideias elementares" são encontradas em estado puro, abstraídas das "ideias étnicas" condicionadas localmente, através das quais as "ideias elementares" são substancializadas; antes, como a imagem do próprio homem, elas podem ser conhecidas apenas por meio da rica variedade de suas inflexões no panorama da vida humana, interessantes e com frequência surpreendentes, ainda que sempre, por fim, reconhecíveis.
Joseph Campbell
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