
Adoro presenciar os animais domésticos reafirmarem seus direitos de nascimento - uma certa prova de que não perderam totalmente seus hábitos e vigor originais. Por exemplo, quando a vaca do meu vizinho foge do pasto no começo da primavera e põe-se a nadar intrepidamente no rio, um caudal frio e acinzentado, de vinte e cinco a trinta varas de largura, avolumado pelo degelo. É o búfalo atravessando o Mississipi. Aos meus olhos, tais proezas conferem alguma dignidade aos rebanhos - já dignificados. Quais sementes no ventre da terra, as sementes do instinto são conservadas por tempo indeterminado sob o couro espesso do gado e dos cavalos.
Quando o gado resolve se recrear, ele o faz inesperadamente. Certa feita, presenciei uma manada de doze bois e vacas, que corriam e pulavam incontrolavelmente, como se fossem ratos gigantescos, como se fossem gatos, até. Davam de cabeça, erguiam os rabos, precipitavam-se para o cume de uma colina e daí desciam também velozmente, e eu notei, também pelos seus chifres, assim como pela sua atividade, o parentesco com a família dos veados. Mas, ai deles! Um grito repentino "oa!" estacaria o seu ardor imediatamente, reduzi-los-ia de animais vivos a carne comestível e enrijeceria seus flancos e tendões como uma locomotiva. Quem senão o Anjo Mau gritou "oa!" à humanidade? A vida do gado, efetivamente, como a de muitos homens, é apenas uma espécie de locomoção.
Henry David Thoreau