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27 de outubro de 2016

O homem mais feliz do mundo


O grande senhor dos senhores, cujo nome é Kublai Khan, é de bela estatura, cheio de corpo, bem proporcionado. O rosto é branco e rosado como uma rosa, os olhos são pretos, lindos, o nariz bem feito e bem assentado. Possui quatro mulheres, que considera igualmente como esposas. O primeiro filho, fruto de uma dessas mulheres, é o herdeiro direto do trono. A elas cabe o título de imperatrizes, e cada uma é chamada pelo nome; todas têm sua corte particular. Todas possuem trezentas escravas cada, muitos pajens e escudeiros, além de outros criados de ambos os sexos. A corte de cada uma dessas imperatrizes é constituída por mil pessoas. Se o Gran-Khan desejar para sua companhia uma dessas mulheres, convida-a a seus aposentos ou, às vezes, vai aos dela. Além dessas quatro esposas, ele tem várias amigas. São jovens escolhidas entre as cem mais belas da raça dos Ungrat, famosas pela graça e beleza. Essas moças fazem um estágio no palácio, e são entregues às damas. Antes da confirmação para viverem no palácio, são submetidas a um exame, feito pelo próprio Khan. Ele as faz deitar a seu lado, sobre um divã, para sentir se têm bom hálito, e se são donzelas sadias, educadas e prestimosas. As selecionadas passam a servir ao senhor do seguinte modo: a cada três dias e três noites, seis dessas donzelas servem ao senhor no quarto e na cama, e em tudo o que ele necessita; o senhor faz delas o que bem entende. E assim, a cada três dias e três noites, vão-se revezando seis novas jovens nos aposentos do Gran-Khan.
 
Marco Polo

O velho da montanha


Milicie é um lugar outrora habitado pelo Velho da Montanha. Contarei a história conforme Messer Marco a ouviu.
O Velho era chamado na língua deles de Aloodyn. Entre duas montanhas, ele mandara construir o maior e o mais belo jardim do mundo, no qual plantou todos os tipos de frutas, ergueu os mais belos palácios, todos pintados a ouro, e criou animais e aves. Abriu canais pelos quais corriam água, mel e vinho. Reuniu moças e rapazes, os mais belos do mundo e os que melhor sabiam cantar e dançar. O Velho os fazia acreditar que aquele lugar era o Paraíso. Ele imaginou esse jardim porque Maomé dissera que se alguém fosse para o Paraíso desfrutaria à vontade das mais belas mulheres e lá encontraria leite, mel e vinho. Assim o Velho pôs em prática a ideia de Maomé.
Os sarracenos da região acreditavam que lá era realmente o Paraíso. Mas naquele jardim só entrava quem o Velho conseguisse tornar assassino.
O castelo da entrada era tão bem fortificado que o Velho não receava nenhum ataque. A corte era formada por rapazinhos de doze anos, raptados e que prometiam tornar-se homens valentes. O Velho introduzia-os aos grupos de quatro, dez e até vinte de uma só vez, sob a ação do ópio, que os deixava inconscientes durante três dias. Ao acordarem, os meninos, vendo-se naqueles maravilhosos jardins, julgavam-se no Paraíso, pois se viam cercados por belas jovens que cantavam e dançavam, oferecendo-lhes as melhores coisas. Ninguém queria mais sair de lá. Dessa maneira, o Velho sustentava sua corte bela e faustosa.
Quando precisava mandar um daqueles rapazes para um lugar fora dos jardins, dava-lhe uma beberagem de ópio e, depois de adormecido, colocava-o do lado de fora. Ao acordar, vendo-se em lugar tão diferente daquele ao qual se acostumara, o rapaz se entristecia. Procurava, então, o Velho, que julgava ser um grande profeta, ajoelhando-se a seus pés. O Velho então perguntava: "De onde vens?". A resposta era: "Do Paraíso". E contava-lhe como era e como desejava voltar.
Assim, quando o Velho queria vingar-se de alguém, escolhia o mais vigoroso dos rapazes, colocava-o fora dos jardins, e quando o mocinho ia procurá-lo, suplicando-lhe que o fizesse voltar ao Paraíso, ele prometia-lhe o regresso somente depois de o jovem ter assassinado quem ele apontava. Os rapazes obedeciam-lhe de boa vontade, para conseguirem voltar ao Paraíso. Se conseguissem escapar depois de terem cometido o crime, voltavam a dar satisfação ao Velho. Se fossem presos, resignavam-se a morrer, certos de entrar novamente no Paraíso.
Desse modo, o Velho da Montanha eliminava todos os que lhe estorvassem os passos. Muitos reis, conhecendo o poder desse Velho, temiam-no e tornavam-se seus tributários.
Mas no ano de 1277, Alau, senhor dos tártaros do Oriente, que conhecia todas essas atrocidades, decidiu acabar com aquele abuso. Mandou que seus barões cercassem o jardim, mas só depois de três anos de cerco é que o Paraíso capitulou pela fome. O Velho foi preso e morto com todos os seus sequazes. Desde então não houve mais Velho algum inventor do Paraíso.

Marco Polo

Jainas


Existe entre eles uma seita de longevos, pessoas que vivem até cento e cinquenta anos, às vezes até duzentos! E sempre em grande atividade, servindo a seus ídolos. Essa longevidade é devida à grande abstinência a que se submetem. Esses puritanos chamam-se yogues. Alimentam-se só de víveres sadios, isto é, quase exclusivamente de leite e arroz. Tomam uma vez por mês uma beberagem, feita com soro de sangue, misturado ao súlfur e à água; tomam-na como o elixir da juventude. Constatou-se que todos os que tomam essa bebida vivem longamente, muito mais do que qualquer outro. São idólatras e depositam fé ilimitada no boi, que adoram. Costumam enfeitar a cabeça com uma figura dourada, feita de couro de boi. Estes fanáticos andam completamente nus, sem resguardar parte alguma do corpo; dizem que fazem isto como penitência. Torram ossos de boi, reduzindo-os a pó, com o qual besuntam certas partes do corpo, com grande compunção. Esse pó é para eles como a água benta para o cristão. Essa gente não come com talheres nem põe a comida em pratos, mas servem-se das folhas secas e de certas árvores, nunca usando as verdes, porque dizem que elas têm alma e por isso seria pecado servir-se delas quando ainda frescas. Preferem morrer a pecar. Quando alguém lhes pergunta: "Por que é que vocês andam nus?", eles respondem: "Porque quando nascemos viemos nus e deste mundo nada queremos; não temos vergonha de nos mostrar como somos, porque não perpretamos pecado algum; eis por que não nos envergonhamos de mostrar uma parte mais do que a outra; vocês, porém, precisam andar cobertos, porque a malícia os obriga a tanto". Acham também que não se deve matar animal nenhum, nem mesmo pulga ou piolho, pois dizem que estes animais também possuem alma, e matá-los seria grande pecado. Comem verduras e frutas secas, mas só depois de bem secas, isto pelo mesmo motivo de acharem que elas também possuem alma. Dormem completamente nus sobre a terra nua, sem colchão nem coberta, e jejuam o ano inteiro, passando só a pão e água.
Essa seita experimenta a castidade de seus presbíteros, isto é, daqueles que guardam os templos, mandando garotas, que servem aos ídolos, para provocar esses sacerdotes por todos os meios. Se os superiores notarem qualquer alteração na natureza do acólito, dispensam-no das ordens, porque não o julgam suficientemente puro para servir ao templo; não querem saber de homens luxuriosos. Os que, porém, continuarem imperturbáveis, são considerados de confiança e então ficam a servir aos ídolos nos templos. Esses puritanos costumam incinerar os defuntos, porque não querem ser causadores da morte dos vermes que se criam na decomposição dos corpos. Os vermes, não tendo mais com que se alimentar, morreriam, e como eles têm alma, também a do defunto se sentiria em pecado, caso isso acontecesse, e muito sofreria no outro mundo. Por isso os yogues incineram os corpos; assim não surgem os vermes.

Marco Polo

23 de outubro de 2016

Sussurros


Os que precisam atravessar o deserto de Lop descansam na cidade de Lop, durante uma semana, para refazer as próprias forças e a dos animais. Depois, abastecem-se fartamente, levando víveres para um mês, para si e para os animais.
Saindo-se desta cidade, entra-se no deserto, tão grande que se leva um ano para cruzá-lo, mas quem conhece os atalhos pode atravessá-lo em um mês. É todo montanhoso, de areião e de vales. Nada se encontra de comestível; no entanto, após um dia e uma noite de cavalgada acha-se água, mas não muita. Basta apenas para aplacar a sede de cinquenta ou cem homens com seus animais; assim é pelo deserto todo. A cada dia e a cada noite encontra-se água. Em três ou quatro lugares a água é amarga e salobra, mas nas outras fontes, que são vinte e oito, é boa.
Não existem animais nem pássaros, porque não há o que comer. Contudo, encontra-se aqui algo maravilhoso. Se alguém, cavalgando à noite pelo deserto, afastar-se dos companheiros, para dormir ou para o que quer que seja, ao tentar alcançá-los ouve vozes de espíritos, como se fossem seus companheiros; e é chamado pelo próprio nome, de tal forma que facilmente se desvia da rota, para nunca mais ser encontrado. Às vezes, ouve-se tocar instrumentos e mais especificamente tambores. Dessa forma se atravessa o grande deserto.
 
Marco Polo
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