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17 de abril de 2020

O fim de dois sonhos


Tudo depende de ele conseguir fechar a porta. Ele caminha, se apressa, seus pés não se movem, e ele sabe que não vai conseguir fechar a porta, mesmo assim, dolorosamente, emprega todas as suas forças. E um temor torturante o domina. Esse temor é o medo da morte: atrás da porta, está aquilo. Mas ao mesmo tempo que ele, fraco e sem jeito, se arrasta para a porta, aquela coisa horrorosa, empurrando do outro lado, começa a abrir a porta. Não é algo humano — é a morte que força a porta, e é preciso contê-la. Ele agarra a porta, emprega suas últimas energias — já é impossível trancar — apenas segurá-la; mas suas forças estão debilitadas, abatidas, e, empurrada pelo horror, a porta abre e fecha outra vez.
Novamente, aquilo empurra do outro lado. Os últimos esforços, sobre-humanos, são inúteis, e as duas partes da porta se abrem sem fazer ruído. Aquilo entrou, e aquilo é a morte. E o príncipe Andrei morreu.
Mas, ao mesmo tempo em que morria, o príncipe Andrei lembrou que estava dormindo e, no mesmo instante em que morria, fez um esforço e acordou.
“Sim, era a morte. Eu morri — eu acordei. Sim, a morte é um despertar!”, a ideia se acendeu de repente em seu espírito, e a cortina que até então ocultava o desconhecido foi erguida diante de seu olhar espiritual. Naquela leveza que não o abandonou mais a partir de então, ele sentiu como que uma libertação de energias, antes presas dentro dele.
 
Liev Tolstoi

21 de novembro de 2019

Como um rio


Uma das superstições mais costumeiras e difundidas é a de que cada pessoa tem determinadas qualidades só suas, que existe a pessoa boa, a má, a inteligente, a tola, a enérgica, a apática etc. As pessoas não são assim. Podemos dizer sobre uma pessoa que ela é boa com mais frequência do que má, inteligente com mais frequência que tola, enérgica com mais frequência do que apática, e o contrário; mas seria falso dizer sobre uma pessoa, que ela é boa ou inteligente, e sobre outra que é má e tola. Mas sempre dividimos as pessoas dessa maneira. E isso é errado. As pessoas são como rios: a água é a mesma para todos e é igual em toda parte, mas cada rio é ora estreito, ora rápido, ora largo, ora calmo, ora limpo, ora frio, ora turvo, ora morno. Assim também são as pessoas. Cada um traz em si o germe de todas as qualidades das pessoas e às vezes se manifesta uma, às vezes outras, e não raro acontece de a pessoa ficar de todo diferente de si mesma, enquanto continua a ser exatamente a mesma. Em certas pessoas, essas transformações ocorrem de maneira especialmente abrupta. 
 
Liev Tolstoi

12 de junho de 2019

Quantos são os corações


- Penso, respondeu Anna, brincando com a luva que despira -, penso... se há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar, há de haver tantos tipos de amor quantos são os corações.

Liev Tolstoi

28 de outubro de 2016

Tempo


Existem meses inteiros que daríamos por dez centavos e quartos de hora que não trocaríamos por nenhum tesouro.
 
Liev Tolstoi

27 de outubro de 2016

A beleza da guerra


Olhe apenas para esse soldadinho da carroça de carga que conduz ao bebedouro uma troica de cavalos baios: tão calmo cantarola algo para si mesmo, que está claro que não se extraviará em meio a essa multidão diversa, que, aliás, para ele não existe; ele cumpre sua tarefa, qualquer que seja - dar de beber aos cavalos ou carregar as armas - com a mesma tranquilidade, segurança e indiferença que cumpriria se estivesse em Tula ou Saransk. Essa mesma expressão você pode ler no rosto do oficial de luvas irreprochavelmente brancas que passa à sua frente, e no rosto do marinheiro que fuma sentado à barricada, e no rosto dos soldados trabalhadores que esperam com macas nas escadarias da antiga assembleia, e no rosto dessa jovem moça que, temendo molhar seu vestido rosa, cruza a rua saltando de uma pedra a outra.
Sim! Você certamente ficará desapontado da primeira vez que chegar a Sebastopol. Em vão buscará nos rostos traços de agitação, de confusão ou mesmo de entusiasmo, de preparação para a morte, de decisão - não há nada disso: você vê pessoas comuns fazendo calmamente suas tarefas cotidianas; portanto, é possível que você se repreenda por sua excessiva euforia e venha a duvidar um pouco da justeza das suas ideias sobre o heroísmo dos defensores de Sebastopol, ideias que se formaram a partir de relatos e descrições, de aparências e sons que vieram do quartel de Siévernaia. Mas antes de duvidar, vá aos bastiões, observe os defensores de Sebastopol no próprio lugar da defesa ou, melhor, vá diretamente a esta casa em frente, a antiga assembleia de Sebastopol com suas escadarias onde se encontram soldados com macas - lá você verá os defensores de Sebastopol, lá você verá espetáculos terríveis e tristes, grandiosos e espirituosos, mas admiráveis, que elevam a alma.
Você entra no grande salão da Assembleia. Assim que abre a porta, é fulminado pela visão e pelo odor de quarenta ou cinquenta amputados e feridos graves, alguns sobre macas, a maior parte estendidos pelo chão. Não se renda à sensação que te paralisa à entrada da sala - essa horrível sensação. Siga adiante, não se envergonhe de ter vindo ver os sofredores, não se envergonhe de se aproximar e falar com eles: os infelizes amam ver rostos solidários, amam narrar seus sofrimentos e escutar palavras de afeto e interesse.
Agora, se você tem nervos fortes, atravesse a porta à esquerda: é naquele outro cômodo que se fazem os curativos e as operações. Você verá os médicos com os braços ensanguentados até os cotovelos, as fisionomias pálidas e sombrias, debruçados sobre uma maca, onde, com os olhos abertos e falando como em delírio palavras sem sentido, às vezes simples e tocantes, está estendido um ferido sob o efeito de clorofórmio. Os médicos estão ocupados com o ato repulsivo, mas benéfico da amputação. Você verá a faca curva e afiada penetrar na carne branca e saudável; verá com que grito terrível e dilacerado, com que imprecações o ferido súbito retoma a consciência; verá o oficial médico atirar a um canto o braço cortado; verá como, no mesmo cômodo, outro ferido sobre uma maca assiste a operação do companheiro, crispa-se e geme não tanto por dor física, quanto pelo sofrimento moral da espera - verá espetáculos terríveis que lhe revolverão a alma; verá a guerra não pela sua aparência regular, sedutora e brilhante, acompanhada por música e tambores, com bandeiras desfraldadas e generais que corcoveiam com seus cavalos, mas sim a guerra em sua verdadeira expressão - em sangue, em sofrimentos, em morte...
 
Liev Tolstoi

26 de outubro de 2016

A loucura da guerra


Frequentemente me vem um pensamento estranho: e se um dos lados beligerantes propusesse ao outro enviar de cada exército um a um dos soldados? Pode parecer um desejo estranho, mas por que não executá-lo? Enviariam, depois, um segundo soldado de cada lado, em seguida um terceiro, um quarto e assim por diante, até que restasse apenas um soldado a cada exército (supondo que os exércitos tivessem forças equivalentes e que a quantidade fosse substituída pela qualidade). E então, se entre representantes racionais de seres racionais, questões políticas complexas devem de fato decidir-se pela briga, que se engalfinhem esses dois soldados - um a tomar a cidade, outro a defendê-la.
Esse raciocínio parece paradoxal, mas é plausível. De fato, qual seria a diferença entre um russo que luta contra um representante dos aliados e oitenta mil que lutam contra oitenta mil? Por que não centro e trinta e cinco mil contra cento e trinta e cinco mil? Por que não vinte mil contra vinte mil? Por que não vinte contra vinte? Por que não um contra um? Nenhuma dessas hipóteses é de forma alguma mais lógica do que a outra. Se bem que a última é até mais lógica, porque mais humana. Das duas, uma: ou a guerra é loucura, ou as pessoas, por praticarem essa loucura, não são absolutamente seres racionais como costumamos pensar sabe-se lá por quê.

Liev Tolstoi

5 de outubro de 2016

Abelhas


Assim como o sol e cada átomo do éter constituem esferas perfeitas em si, nada mais que átomos do todo imenso, cuja imensidão é inacessível ao homem, cada indivíduo transporta consigo os seus próprios fins ao mesmo tempo que serve fins comuns incompreensíveis à humanidade.
A abelha pousada numa flor picou uma criança. Esta tem medo das abelhas e diz que esses insetos só servem para picar os homens. O poeta, por sua vez, admira a abelha que esvoaça na corola das flores e afirma que o seu papel consiste em extrair o néctar das plantas. O apicultor, notando que as abelhas recolhem o pólen e o transportam para as colmeias, conclui que o papel delas é recolher o mel. E aquele outro que estudou de perto a vida do enxame afirma que a abelha recolhe o pólen para o sustento das abelhas jovens e a criação da rainha e que o seu papel, por conseguinte, é o da conservação da espécie. O botânico observa que a abelha, transportando o pólen da planta dóica para o órgão feminino o fecunda, e nesta fecundação vê ele o papel do inseto. Outro, ao estudar as variações das plantas, descobre que a abelha contribui para essa variação e julga-se no direito de concluir que foi criada para desempenhar tal papel. Na realidade, nenhuma das observações que o espírito humano está em condições de fazer atende ao objetivo derradeiro da abelha. Quanto mais a inteligência procura erguer-se à compreensão das razões últimas, tanto mais evidente se torna para ele que essas razões lhe são inacessíveis.
 
Liev Tostoi

28 de setembro de 2016

Famílias


Todas as famílias felizes se parecem, as famílias infelizes são infelizes cada qual ao seu modo.
 
Liev Tolstoi

27 de setembro de 2016

Meu, meu, meu!


Os homens não orientam sua vida por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizando-se de palavras que convencionam entre si. Dessas, as que mais consideram são "meu" e "minha", que aplicam a várias coisas, seres e objetos, inclusive à terra, às pessoas e aos cavalos. Convencionaram entre si que, para cada coisa, apenas um deles diria "meu". E aquele que diz "meu" para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para quê isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada.
Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam; as que o faziam eram outras, completamente diferentes. Também eram bem outras as que me alimentavam. As que cuidavam de mim, mais uma vez, não eram as mesmas que me chamavam "meu cavalo", mas os cocheiros, os tratadores, estranhos de modo geral. Mais tarde, depois que ampliei o círculo das minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade. O homem diz: "minha casa", mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de lãs", por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores lãs que há em seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de "minha", mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. Existem homens que chamam de "minhas" as suas mulheres ou esposas, mas essas mulheres vivem com outros homens. As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de "minhas" o maior número de coisas. Agora estou convencido de que é nisso que consiste a diferença essencial entre nós e os homens. É por isso que, sem falar das outras vantagens que temos sobre eles, já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas: a vida das pessoas - pelo menos daquelas com as quais convivi - traduz-se em palavras; a nossa, em atos.
 
 Liev Tolstoi
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