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29 de outubro de 2016

O discurso de Touro Sentado


No verão de 1883, quando a estrada de ferro Northern Pacific comemorou a colocação do último prego na sua linha transcontinental, um dos funcionários encarregados das cerimônias decidiu que seria conveniente um chefe índio estar presente e fazer um discurso de boas-vindas para o Pai Grande de Washington e outras personalidades. Touro Sentado foi o escolhido - nenhum outro índio chegou a ser considerado - e um jovem oficial do Exército, que compreendia a língua sioux, foi designado para trabalhar com o chefe na preparação de um discurso. Deveria ser pronunciado em sioux e depois traduzido pelo oficial.
A 8 de setembro, Touro Sentado e o jovem Casaco Azul chegaram a Bismarck para a grande festa. A cavalo, encabeçaram uma parada e, depois, sentaram-se na plataforma dos oradores. Quando Touro Sentado foi apresentado, ele se levantou e começou a fazer um discurso em sioux. O jovem oficial ouviu espantado: Touro Sentado mudara o floreado texto de boas-vindas. "Odeio toda a gente branca", proferiu. "Vocês são ladrões e mentirosos. Roubaram nossas terras e nos tornaram párias". Sabendo que só o oficial do Exército podia compreender o que ele estava dizendo, Touro Sentado fazia, ocasionalmente, uma pausa para os aplausos; inclinava-se, sorria e então lançava mais alguns insultos. Finalmente, sentou-se e o preocupado oficial tomou seu lugar. O oficial só tinha uma curta tradução escrita, poucas frases amistosas, mas juntando algumas metáforas índias bem adequadas, fez o público ficar em pé numa ovação estrondosa para Touro Sentado.
 
Dee Brown

Mangas Vermelhas


No Tempo das Formigas Voadoras (janeiro de 1863), Mangas Vermelhas estava acampado no Rio Mimbres. Por algum tempo, ele pensara como poderia conseguir a paz para os apaches antes de morrer. Lembrou-se do tratado que assinara em Santa Fé, em 1852. Nesse ano, os apaches e o povo dos Estados Unidos haviam combinado viver em paz perpétua e amizade. Houve alguns anos de paz e amizade, mas agora havia hostilidade e morte. Queria ver seu povo viver em paz novamente. Sabia que mesmo seus guerreiros mais bravos e hábeis, como Victorio e Gerônimo, não poderiam derrotar a grande força dos Estados Unidos. Talvez fosse um momento para um outro tratado com os americanos e seus soldados Casacos Azuis, que se haviam tornado tão numerosos quanto as formigas voadoras.
Certo dia, um mexicano aproximou-de do acampamento de Mangas Vermelhas com uma bandeira de trégua. Disse que havia alguns soldados próximos, querendo falar de paz. Para Mangas Vermelhas, sua vinda parecia providencial. Preferiria fazer conselho com um chefe estrelado, mas concordou em ir se encontrar com o pequeno "capitán" Edmond Shirland, dos Voluntários da Califórnia. Os guerreiros mimbreños aconselharam-no a não ir. Não se lembrava do que acontecera a Cochise quando fora ver os soldados em Apache Pass? Mangas Vermelhas não ligou para seus receios. Afinal, era um velho. Que mal poderiam os soldados fazer a um velho que só queria falar de paz? Os guerreiros insistiram que uma guarda o acompanhasse; escolheu 15 homens e partiram pela trilha rumo ao acampamento dos soldados.
Quando chegaram à vista do acampamento, Mangas Vermelhas e seu grupo esperaram o "capitán" mostrar-se. Um mineiro que falava espanhol veio para escoltar Mangas Vermelhas até o acampamento, mas os guardas apaches não deixaram seu chefe ir até que o capitão Shirland içasse uma bandeira branca. Assim que a bandeira apareceu, Mangas Vermelhas ordenou que seus guerreiros voltassem; ele iria sozinho. Estava protegido por uma trégua, perfeitamente seguro. Mangas Vermelhas cavalgou rumo ao acampamento, mas mal seus guerreiros saíram de vista, uma dúzia de soldados saiu do mato atrás dele, com os rifles apontados e prontos para disparar. Era um prisioneiro.
"Levamos logo Mangas Vermelhas a nosso acampamento no velho Fort McLean", disse Daniel Conner, um dos mineiros que estava viajando com os Voluntários da Califórnia, "e chegamos a tempo de ver o general West aparecer com seu comando. O general foi até onde Mangas Vermelhas estava preso para vê-lo e parecia um pigmeu perto do velho chefe, que era mais alto que todos em volta. Parecia preocupado e recusou-se a falar, evidentemente achando que cometera um grande erro em confiar nos caras-pálidas, nessa ocasião."
Dois soldados foram designados para guardar Mangas Vermelhas e, com a chegada da noite e do ar frio, fizeram uma fogueira de troncos para se aquecerem e ao prisioneiro. Um dos Voluntários da Califórnia, o soldado Clark Stocking, contou depois que ouviu o general Joseph West dar ordens aos guardas: "Quero-o morto ou vivo amanhã de manhã"; eles compreenderam "quero-o morto".
Devido à presença dos apaches de Mangas Vermelhas na área, sentinelas extras foram colocadas para patrulhar o acampamento depois da noite cair. Daniel Conner foi designado para a missão e, quando passeava por seu posto, pouco antes da meia-noite, percebeu que os soldados que guardavam Mangas Vermelhas estavam molestando tanto o velho chefe, que ele sacudia os pés sem parar sob sua manta. Curioso de saber o que os soldados estavam fazendo, Conner ficou fora da luz da fogueira e observou-os. Eles aqueciam suas baionetas no fogo e encostavam-nas nos pés e nas pernas de Mangas Vermelhas. Depois do chefe sofrer essa tortura várias vezes, levantou-se e "começou a censurá-los de forma vigorosa, dizendo às sentinelas, em espanhol, que não era criança para brincarem com ele. Mas suas censuras foram cortadas logo, pois mal começara suas exclamações, ambas as sentinelas prontamente tiraram seus mosquetes de balas cônicas, apontaram e disparam, quase ao mesmo tempo, contra seu corpo".
Quando Mangas Vermelhas caiu, os guardas esvaziaram seus revólveres no corpo do chefe. Um soldado pegou seu escalpo, outro cortou-lhe a cabeça e queimou a carne, de modo a poder vender o crânio a um frenologista do Leste. Jogaram o corpo decapitado numa vala. O relatório militar oficial afirmou que Mangas Vermelhas foi morto ao tentar a fuga.

Dee Brown

27 de outubro de 2016

Chaleira Preta


Chaleira Preta disse ao seu povo que eles não deveriam ser tomados de surpresa, como acontecera no massacre de Sand Creek. Em vez de esperar que os soldados chegassem até a aldeia, ele levaria uma delegação para se encontrar com os soldados e convencê-los de que a aldeia cheyenne era pacífica. A neve era profunda e ainda estava caindo, mas assim que as nuvens deixassem o céu, eles partiriam ao encontro dos soldados.
Embora Chaleira Preta tivesse ido dormir tarde, acordou antes da aurora, como sempre fizera. Foi para fora da tenda e ficou contente ao ver que o céu estava clareando. Uma neblina pesada cobria o vale do Washita, mas ele podia ver a neve profunda nos montes do outro lado do rio.
De repente, ouviu uma mulher gritando, com a voz se tornando mais clara quando ela se aproximou. "Soldados! soldados!" gritava ela. Reagindo automaticamente, Chaleira Preta correu para dentro e pegou seu rifle. Nos poucos segundos antes de voltar para fora, percebeu o que deveria fazer - despertar o acampamento e fazer todo mundo fugir. Não deveria haver outro Sand Creek. Ele se encontraria sozinho com os soldados no vau do rio e conversaria com eles. Apontando seu rifle para o alto, puxou o gatilho. O estampido despertou completamente a aldeia. Enquanto gritava ordens para todos montarem e fugirem, sua mulher desamarrou seu cavalo e o trouxe até ele.
Estava se preparando para galopar até o vau, quando uma clarinada irrompeu da neblina, seguidas por ordens gritadas e berros selvagens dos soldados que atacavam. Por causa da neve, não houve o estrondo dos cascos, só o barulho de fardos que se chocavam e um retinir de metal de arreios, uma gritaria rouca e clarins soando por toda parte.
Chaleira Preta esperava que os soldados viessem pelo vau do Washita, mas eles irrompiam da neblina, de quatro direções. Como poderia encontrar com quatro colunas que atacavam e falar-lhes de paz? Era Sand Creek de novo. Pegou a mão de sua mulher, colocou-a atrás dele e fustigou o cavalo num súbito galope. Ela sobrevivera a Sand Creek com ele; agora, como sonhadores torturados, tinham o mesmo pesadelo outra vez, estavam fugindo novamente das balas que assobiavam.
Estavam quase no vau, quando ele viu os cavalarianos que atacavam, com seus grossos casacos azuis e capas de pele. Chaleira Preta diminuiu o passo de seu cavalo e levantou a mão no gesto de paz. Uma bala queimou no seu estômago e seu cavalo saiu de lado. Outra bala atingiu-o nas costas e ele caiu na neve da margem do rio. Várias balas derrubaram a mulher, do lado do chefe, e o cavalo fugiu. Os homens de cavalaria entraram no rio pelo vau cavalgando sobre Chaleira Preta e sua mulher, jogando lama em seus corpos mortos.
As ordens de Sheridan a Custer eram explícitas: "dirigir-se para o sul no rumo das Antelope Hills, daí para o rio Washita, a provável moradia de inverno das tribos hostis; destruir suas aldeias e cavalos, matar ou enforcar todos os guerreiros e trazer de volta todas as mulheres e crianças".
Em questão de minutos, os soldados de Custer destruíram a aldeia de Chaleira Preta; em outros poucos minutos de matança sangrenta, destruíram a tiros várias centenas de cavalos cercados. Matar ou enforcar todos os guerreiros queria dizer separá-los dos velhos, das mulheres e das crianças. Esse trabalho seria muito lento e perigoso para os cavalarianos; acharam mais eficiente e seguro matar indiscriminadamente. Mataram 103 cheyennes, mas só 11 deles eram guerreiros. Capturaram 53 mulheres e crianças.
Nesse momento, o tiroteio que ecoava pelo vale trouxe um grande número de arapahos de sua aldeia próxima, e ele se juntaram aos cheyennes fugitivos numa ação de retaguarda. Um grupo de arapahos cercou um pelotão perseguidor de 19 soldados comandados pelo major Joel Elliott e matou todos. Por volta do meio-dia, kiowas e comanches estavam chegando de mais longe, rio abaixo. Quando Custer viu o número crescente de guerreiros nas montanhas próximas, reuniu seus prisioneiros e, sem procurar o ausente major Elliott, partiu de volta ao norte, numa marcha forçada, rumo à sua base temporária em Camp Supply, no Rio Canadian.
Em Camp Supply, o general Sheridan esperava ansiosamente notícias de uma vitória de Custer. Quando foi informado de que o regimento de cavalaria estava de volta, ordenou que o posto inteiro se preparasse para uma revista formal. Com a banda tocando triunfalmente, os vitoriosos entraram, sacudindo os escalpos de Chaleira Preta e de outros "selvagens" mortos; Sheridan cumprimentou Custer publicamente pelos "eficientes e heroicos serviços prestados".
 
Dee Brown

24 de outubro de 2016

Cavalo de ferro


Antes do fim do verão, Matador-de-Pawnee e Perna de Peru envolveram-se em complicações com um chefe de soldados a quem chamavam de Traseiro Duro, pois ele os perseguia em longas distâncias, por muitas horas, sem deixar a sela. Depois, eles o chamariam Cabelos Compridos Custer. Quando o general Custer os convidou a ir ao forte McPherson para uma reunião, foram ao forte e aceitaram café e açúcar. Disseram a Traseiro Duro que eram amigos dos brancos, mas não gostavam do Cavalo de Ferro que corria em trilhos de ferro, apitando e soltando fumaça, assustando toda a caça do vale do Platte. (Os trilhos da estrada de ferro Union Pacific estavam sendo colocados através do Nebraska oriental em 1867.)
Em sua procura de búfalos e antílopes, os oglalas e cheyennes cruzaram os trilhos da estrada de ferro várias vezes nesse verão. Às vezes, viam Cavalos de Ferro puxando casas de madeira com rodas, a grande velocidade pelos trilhos. Ficavam imaginando o que poderia haver dentro das casas e, certo dia, um cheyenne decidiu laçar um dos Cavalos de Ferro e tirá-lo dos trilhos. Mas, pelo contrário, o Cavalo de Ferro é que o tirou do cavalo e arrastou-o sem dó, antes que ele conseguisse soltar-se do laço.
Foi Coelho-que-Dorme que sugeriu que deveriam tentar pegar um dos Cavalos de Ferro de outro jeito. "Se pudermos curvar os trilhos para cima e o afastarmos, o Cavalo de Ferro pode cair", disse. "Então, poderemos ver o que há nas casas de madeira sobre rodas". Fizeram isso e esperaram o trem. Realmente, o Cavalo de Ferro caiu para o lado e saiu muita fumaça dele. Homens saíram correndo do trem e os índios mataram todos, menos dois, que escaparam e fugiram. Então, os índios penetraram nas casas de rodas e acharam sacos de farinha, açúcar e café; caixas de sapatos e barris de uísque. Beberam parte do uísque e começaram a amarrar as pontas de peças de roupa nas caudas de seus cavalos. Os cavalos saíram correndo pela pradaria com grandes fitas de fazenda desenrolando-se e voando atrás deles. Depois de algum tempo, os índios pegaram carvão em brasa da máquina descarrilhada e puseram fogo nos vagões. Então fugiram.

Dee Brown

23 de outubro de 2016

Índio bom


Urso Amarelo dos arapahos concordou em trazer seu povo a Fort Cobb. Poucos dias depois, Tosawi trouxe o primeiro bando de comanches que se rendeu. Quando foi apresentado a Sheridan, os olhos de Tosawi brilhavam. Falou seu nome e acrescentou duas palavras de inglês trôpego. Disse: "Tosawi, bom índio".
Foi então que o general Sheridan pronunciou as palavras imortais: "Os únicos índios bons que vi estavam mortos". O tenente Charles Nordstrom, que estava presente, lembrou-se das palavras e as passou adiante, até que com o tempo se transformaram num aforismo americano: "O único índio bom é um índio morto."

Dee Brown
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