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15 de setembro de 2016

A mais bela página


No seu recente delírio, censurara ao céu sua indiferença, e agora, em toda a sua amplitude, o céu descia sobre seu leito e dois grandes braços de mulher, brancos até os ombros, estendiam-se para ele. A alegria ensombreceu seus olhos e foi ele precipitado num abismo de felicidade como se cai desmaiado.
Toda a sua vida, não cessara de fazer alguma coisa, de estar ocupado, de trabalhar em sua casa, junto de seus doentes, de pensar, de estudar, de produzir. Como era bom não mais agir, não mais querer, não mais pensar e, por um instante, abandonar esses cuidados à natureza, tornar-se ele mesmo uma coisa, um desenho, uma obra entre suas mãos misericordiosas, adoráveis, pródigas de beleza.
Iuri Andreievitch restabelecia-se rapidamente. Lara o alimentava, curava-o com seus cuidados, com seu encanto radioso de cisne branco, com o murmúrio grave e cálido de suas perguntas e de suas respostas.
Suas conversas à meia voz, até as mais vãs, eram plenas de sentido, como os diálogos de Platão.
Mais ainda que sua comunidade de alma, o abismo que os separava do resto do mundo os unia. Ambos tinham a mesma aversão por tudo quanto o homem contemporâneo tem de fatalmente típico, pelo seu entusiasmo de encomenda, pela sua ênfase berrante e por aquela mortal ausência de impulso d'alma que com tanto zelo difundem os inúmeros trabalhadores das ciências e das artes, a fim de que o gênio continue a ser uma grande raridade.
Grande era o amor deles. Mas todo o mundo ama, sem prestar atenção ao que há de único nesse sentimento.
Para eles - e nisto faziam exceção - nos momentos em que, como um eflúvio de eternidade, o sopro da paixão se pousava sobre sua existência condenada, descobriam e aprendiam coisas sempre novas sobre si mesmos e sobre a vida.

Boris Pasternak


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