1 de maio de 2024
Cor-de-rosa
24 de abril de 2024
O verbo matar
12 de abril de 2024
O assalto
7 de novembro de 2023
O perguntar e o responder
6 de novembro de 2023
Divagação sobre as ilhas
8 de setembro de 2023
Casos de baleias
O superintendente, em ofício, respondeu à baleia que não podia fazer nada senão recomendar que de duas baleias uma fosse poupada, e esta ganhasse número de registro para identificar-se.
Em face dessa resolução, todas as baleias providenciaram registro, e o obtiveram pela maneira como se obtêm essas coisas, à margem dos regulamentos. O mar ficou coalhado de números, que rabeavam alegremente, e o esguicho dos cetáceos, formando verdadeiros festivais no alto oceano, dava ideia de imenso jardim explodindo em repuxos, dourados de sol, ou prateados de lua.
Um inspetor da Superintendência, intrigado com o fato de que ninguém mais conseguia caçar baleia, pôs-se a examinar os livros e verificou que havia infinidade de números repetidos. Cancelou-se o registro, e os funcionários responsáveis pela fraude, jogados ao mar, foram devorados pelas baleias, que passaram a ser caçadas indiscriminadamente. A recomendação internacional para suspender a caça por tempo indeterminado só alcançará duas baleias vivas, escondidas e fantasiadas de rochedo, no litoral do Espírito Santo.
Carlos Drummond de Andrade
A beleza total
6 de setembro de 2023
Os dias lindos
Acontece em abril, nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os boletins meteorológicos não se lembraram de anunciá-lo em linguagem especial. Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos.
E aboliram, sem providências drásticas, o estatuto do calor. A temperatura ficou amena, conduzindo à revisão do vestuário. Protege-se um tudo-nada o corpo, que vivia por aí exposto e suado, bufando contra os excessos da natureza. Sob esse mínimo de agasalho, a pele contente recebe a visita dos dias lindos.
A cor. Redescobrimos o azul correto, o azul azul, que há meses se despedaçara em manchas cinzentas no branco sujo do espaço. O azul reconstituiu-se na luz filtrada, decantada, que lava também os matizes empobrecidos das coisas naturais e das fabricadas. A cor é mais cor, na pureza deste ar que ousa desafiar os vapores, emanações e fuligens da era tecnológica. E o raio de sol benevolente, pousando no objeto, tem alguma coisa de carícia.
O ar. Ficou mais leve, ou nós é que nos tornamos menos pesadões, movendo-nos com desembaraço, quando, antes, andar era uma tarefa dividida entre o sacrifício e o tédio? Tornou-se quase voluptuoso andar pelo gosto de andar, captando os sinais inconfundíveis da presença dos dias lindos.
Foi certamente num dia como estes que Cecília Meireles escreveu: “A doçura maior da vida flui na luz do sol, quando se está em silêncio. Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados”. Porque a primeira conseqüência da combinação de azul e leveza de ar é o sossego que baixa sobre nosso estoque de problemas. Eles não deixam de existir. Mas fica mais fácil carregá-los.
Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão. Será egoísmo curti-los na moita, deixando de comentar com os amigos e até com desconhecidos que por acaso ainda não perceberam o raro presente de abril: “Repare como o dia está lindo”. Não precisa botar ênfase na exclamação. Pode até fazê-la baixinho, como quem transmite boato e não deseja comprometer-se com a segurança nacional. Mesmo assim, a afirmação pega. Não só o dia fica mais lindo, como também o ouvinte, quem sabe se distraído ou de lenta percepção sensorial, ganha a chance de descobri-lo igualmente. Descobre e passa adiante a informação.
A reação em cadeia pode contribuir para amenizar um tanto o que eu chamo de desconcerto do mundo. De onde se conclui: deixar de lado, mesmo por instantes, o peso dos acontecimentos mundiais trágicos, esmagadores, para degustar a finura da atmosfera e a limpidez das imagens recortadas na luz, é um passo dado para reduzir o desconcerto, na medida em que a boa disposição de espírito de cada um pode servir de prefácio, ou rascunho de prefácio, à pacificação, ou relativa pacificação, dos povos e seus dominadores. Em vez de alienação, portanto, o prazer dos dias lindos é terapia indireta.
Pode ser que o desconhecido lhe responda com um palavrão, desses em moda na sociedade mais fina. Não faz mal. Não se ofenda. Ele descarregou sobre a sua observação amical o azedume que ameaçava corroê-lo no íntimo. Livre desse fel, talvez se habilite a olhar também para o céu e a descobrir mesmo certa beleza esvoaçante no urubu. De qualquer modo foi avisado. Já sabe o que estava perdendo: a consciência de que certos dias de abril e maio são mais lindos do que os outros dias em geral, e nos integram num conjunto harmonioso, em que somos ao mesmo tempo ar, luz, suavidade e gente.
Carlos Drummond de Andrade
Tatu
Isso aí, suponho, é matutado pelo tatu, e se não escapa do
interior das placas de sua couraça, em termos de português, é porque o tatu
ignora sabiamente os idiomas humanos, sem exceção, além de não acreditar em
audiência civilizada para seus queixumes. A armadura dos bípedes é ainda mais
invulnerável que a dele, e não há sensibilidade para a dor ou a problemática do
tatu.
Meu amigo andou pelas encostas do Corcovado, em noite de
prata lunal, e conseguiu, por artimanhas só dele sabidas, capturar vivo um tatu
distraído. É, distraído. Do contrário não o pegaria. Estava imóvel, estático,
fruindo o banho de luz na folhagem, essa outra cor que as cores assumem debaixo
da poeira argentina da Lua. Esquecido das formigas, que lhe cumpria pesquisar e
atacar, como quem diz, diante de um motivo de prazer: “Daqui a pouco eu vou
trabalhar; só um minuto mais, alegria da vida”, quedou-se à mercê de inimigos
maiores. Sem pressentir que o mais temível deles andava por perto, em horas
impróprias à deambulação de um professor universitário.
— Mas que diabo você foi fazer naqueles matos, de madrugada?
— Nada. Estava sem sono, e gosto de andar a esmo, quando
todos roncam.
Sem sono e sem propósito de agredir o reino animal, pois é
de feitio manso, mas o velho instinto cavernal acordou nele, ao sentir qualquer
coisa a certa distância, parecida com a forma de um bicho. Achou logo um cipó
bem forte, pedindo para ser usado na caça; e jamais tendo feito um laço de
caçador, soube improvisá-lo com perícia de muitos milhares de anos (o que a
universidade esconde, nas camadas profundas do ser, e só permite que venha
aflorar em noite de lua cheia!).
Aproximou-se sutil, laçou de jeito o animal desprevenido. O
coitado nem teve tempo de cravar as garras no laçador. Quando agiu, já este,
num pulo, desviara o corpo. Outra volta no laço. E outra. Era fácil para o tatu
arrebentar o cipó com a força que a natureza depositou em suas extremidades.
Mas esse devia ser um tatu meio parvo, e se embaraçou em movimentos frustrados.
Ou o narrador mentiu, sei lá. Talvez o tenha comprado numa dessas casas de
suplício que há por aí, para negócio de animais. Talvez na rua, a um vendedor
de ocasião, quando tudo se vende, desde o mico à alma, se o pm não ronda perto.
Não importa. O caso é que meu amigo tem em sua casa um tatu
que não se acomodou ao palmo de terra nos fundos da casa e tratou de abrigar
longa escavação que o conduziu a uma pedreira, e lá faz greve de fome. De lá
não sai, de lá ninguém o tira. A noite perdeu para ele seu encanto luminoso. A
ideia de levá-lo para o zoológico, aventada pela mulher do caçador, não
frutificou. Melhor reconduzi-lo a seu habitat, mas o tatu se revela
profundamente contrário a qualquer negociação com o bicho humano, que pensa em
apelar para os bombeiros a fim de demolir o metrô tão rapidamente feito, ao
contrário do nosso, urbano, e salvar o infeliz. O tatu tem razões de sobra para
não confiar no homem e no luar do Corcovado.
Não é fábula. Eu compreendo o tatu.
Carlos Drummond de Andrade
5 de setembro de 2023
Perde o gato
Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que
ele diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de
pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não interessa a
ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o obséquio de mudar de
coluna. Trata-se de um gato.
Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita. Há
tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do
crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto
imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu — e sua falta é mais importante
para mim, do que as reformas do ministério.
Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenômeno se
relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. Agora
ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos. À falta
de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam comendo carne de gato,
caça tão esquiva quanto a outra.
O fato sociológico ou econômico me escapa. Não é a sorte
geral dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não
sabido. Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a essa
hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. Em suas
andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio — cor incomum em gatos comuns —
e se dispunha a ajudar-me na captura. Lá fomos sob o vento da praia, em seu
encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a um edifício, estava o
gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se recusou à intimidade.
Chamados afetuosos não o comoveram; tentativas de aproximação se frustraram.
Ele fugia sempre, para voltar se nos via distantes. Amava. Seria iníquo
apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a poucos metros. Desistimos.
Se for Inácio — pensei — dentro de um ou dois dias estará de volta. Não voltou.
Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no
telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso
que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento
civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não
carece de suplemento de informação. Livros e papéis, beneficiam-se com a sua
presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida
intelectual.
Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se
desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário
como o gato “funciona” em uma casa: em silêncio, indiferente, mas adesivo e
cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os
senhores estão avisados: é falta de Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável
era a presença de Inácio a meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de
topázio que longamente me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do
sono profundo, que antecipava a reação provável dos leitores.
Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está
pensando em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não sequestrado, voltará sem
explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar
satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de
circunspeção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o roubo, e
ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. Finalmente, se
tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta própria, com suas patas; com
a altivez, a serenidade e a elegância dos gatos.
Carlos Drummond de Andrade
10 de outubro de 2017
A eterna canção
17 de julho de 2017
Véspera
o instante de existir: ainda é bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirão em teu bruxedo.
Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. És tão secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquiteto.
Que presságios circulam pelo éter,
que signos de paixão, que suspirália
hesita em consumar-se, como flúor,
se não a roça enfim tua sandália?
Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarão aberto em susto.
Examinas cada alma. É fogo inerte?
O sacrifício há de ser lento e augusto.
Então, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no círculo de luz que desenrolas!
Contempla este jardim, os namorados,
dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de teu capricho o hermético astrolábio
e perseguem o sol no dia findo.
E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos, que se expande,
corpóreo, são mais leves do que brisa.
E na montanha-russa o grito unânime
é medo e gozo ingênuo, repartido
em casais que se fundem, mas sem flama,
que só mais tarde o peito é consumido.
Olha, amor, o que fazes desses jovens
(ou velhos) debruçados na água mansa,
relendo a sem-palavra das estórias
que nosso entendimento não alcança.
Na pressa dos comboios, entre silvos,
carregadores e campainhas, rouca
explosão de viagem, como é lírico
o batom a fugir de uma a outra boca.
Assim teus namorados se prospectam:
um é mina do outro; e não se esgota
esse ouro surpreendido nas cavernas
de que o instinto possui a esquiva rota.
Serão cegos, autômatos, escravos
de um deus sem caridade e sem presença?
Mas sorriem os olhos, e que claros
gestos de integração, na noite densa!
Não ensaies demais as tuas vítimas
ó amor, deixa em paz os namorados.
Eles guardam em si, coral sem ritmo,
os infernos futuros e passados.
Carlos Drummond de Andrade
13 de junho de 2017
A bunda, que engraçada
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se,
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
19 de maio de 2017
O tempo passa? Não passa?
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.
25 de março de 2017
Os ombros suportam o mundo
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada espera de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais do que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
20 de março de 2017
Sentimental
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olha que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar".
Carlos Drummond de Andrade
O seu santo nome
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
15 de fevereiro de 2017
Destruição
e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.
Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre,
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.
1 de fevereiro de 2017
No corpo feminino, esse retiro
- a doce bunda - é ainda o que prefiro.
A ela, meu mais íntimo suspiro,
pois tanto mais a apalpo quanto a miro.
Que tanto mais a quero, se me firo
em unhas protestantes, e respiro
a brisa dos planetas, no seu giro
lento, violento... Então, se ponho e tiro
a mão em concha - a mão, sábio papiro,
iluminando o gozo, qual vampiro,
ou se, dessedentado, já me estiro.
me penso, me restauro, me confiro,
o sentimento da morte eis que adquiro:
de rola, a bunda torna-se vampiro.
Carlos Drummond de Andrade
30 de janeiro de 2017
A língua lambe
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
Carlos Drummond de Andrade