Mostrando postagens com marcador Jean-Jacques Rousseau. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Jean-Jacques Rousseau. Mostrar todas as postagens

24 de junho de 2019

Felicidade


A felicidade é um estado permanente que não parece feito para o homem neste mundo. Tudo na terra está em um fluxo contínuo que não permite a nada assumir uma forma constante. Tudo muda à nossa volta. Nós mesmos mudamos, e ninguém pode garantir que amará amanhã aquilo que ama hoje. Assim, todos os nossos projetos de felicidade nessa vida são ilusões. Aproveitemos o contentamento do espírito quando ele ocorre; evitemos afastá-lo por erro nosso, mas não façamos projetos para acorrentá-lo, pois tais projetos são puras tolices.
Vi poucos homens felizes, talvez nenhum, mas muitas vezes vi corações contentes, e de todos os objetos que me marcaram este é o que por minha vez mais me contentou. Creio que se trata de uma decorrência natural do poder das sensações sobre meus sentimentos internos. A felicidade não apresenta sinais externos; para conhecê-la, seria preciso ler o coração do homem feliz; porém, o contentamento pode ser lido nos olhos, na postura, no tom, no andar, e parece ser comunicado àquele que o percebe.
 
Jean-Jacques Rousseau

7 de agosto de 2017

Quando nos irritamos


São as nossas paixões que nos irritam contra as dos outros; é o nosso próprio interesse que nos leva a odiar os maus; se estes não nos fizessem nenhum mal, sentiríamos por eles mais piedade que ódio. O mal que os maus nos fazem leva-nos a esquecer o mal que se fazem a si mesmos. Perdoar-lhes-íamos com mais facilidade os seus vícios se pudéssemos saber quanto os seus próprios corações os castigam. Sentimos a ofensa e não vemos o castigo; as vantagens são aparentes, o sofrimento é interior. Aquele que crê gozar do fru­to dos seus vícios não se sente menos atormentado do que se o não tivesse conseguido; o objeto muda mas a inquietação é a mesma; por mais que evidenciem a sua fortuna e escondam o seu coração, o seu comportamento demonstra-o, mesmo sem que o queiram: mas, para nos apercebermos disso, é preciso que não tenhamos um coração semelhante.
As paixões que nos dividem seduzem-nos; as que chocam os nossos interesses revoltam-nos, e, por uma inconsequência que nos vem delas, criticamos nos outros o que desejaríamos imitar. A aversão e a ilusão são inevitáveis, quando somos obrigados a su­portar, por parte de outrem, o mal que faríamos se estivéssemos no lugar dessa pessoa. Então, que seria preciso para bem observar os homens? Um grande interesse em conhecê-los, uma grande imparcialidade ao julgá-los, um coração bastante sensível para conceber todas as paixões humanas e suficientemente calmo para não as experi­mentar. 
 
Jean-Jacques Rousseau

27 de outubro de 2016

Desigualdade


O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: "Isto me pertence", e encontrou criaturas suficientemente simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Como, em geral, a riqueza, a nobreza ou a classe, a autoridade e o mérito pessoal constituem as principais distinções que servem de medida na sociedade, eu provaria que o acordo ou o conflito entre essas forças diversas é a mais segura indicação de estar o Estado bem ou mal constituído; demonstraria que, entre essas quatro espécies de desigualdades, as qualidades pessoais se encontram na origem de todas as outras, mas que é à riqueza que todas em última análise se subordinam, isto porque, sendo ela a mais imediatamente útil ao bem-estar e a mais fácil de transmitir, servimo-nos dela com facilidade para adquirir todo o resto, observação que permite aquilatar com assaz exatidão a medida pela qual cada povo se foi afastando de sua primitiva instituição e o caminho percorrido do termo extremo da corrupção. Assinalaria como esse desejo universal de reputação, de honrarias e preferências, que a todos nos devora, exerce e compara as forças e os talentos, como excita e multiplica as paixões, e como, transformando os homens em concorrentes, em rivais, e por vezes em inimigos, provoca, diariamente, reveses, êxitos e catástrofes de toda espécie, pondo a correr na mesma arena tantos pretendentes. Demonstraria que é a esta febre de ouvir falar de nós, a este furor de distinção que nos mantém quase sempre fora de nós mesmos, que devemos o que há de melhor e pior entre os homens, nossas virtudes e nossos vícios, nossas ciências e nossos erros, nossos conquistadores e nossos filósofos, isto é, uma multidão de coisas más sobre um pequeno número de coisas boas. Enfim, provaria que, se vemos um punhado de ricos e poderosos no auge das riquezas e grandezas, enquanto que uma turba se avilta na obscuridade e na miséria, é porque os primeiros não estimam as coisas que usufruem na mesma proporção em que os demais delas estão privados, e porque, sem mudança de estado, aqueles cessariam de ser felizes se o povo cessasse de ser miserável.

Jean-Jacques Rousseau
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...