Eu estava acampado nos bosques próximos de Cordova, Alasca, tentando em vão arranjar trabalho de taifeiro numa traineira, esperando o momento em que o Departamento de Caça e Pesca anunciasse o começo da estação comercial do salmão. Numa tarde chuvosa, indo à cidade, cruzei com um homem mal vestido e agitado que parecia ter cerca de quarenta anos. Tinha tufos de barba negra e cabelos até os ombros, mantidos longe do rosto por uma faixa imunda de náilon. Caminhava em minha direção com passos rápidos e enérgicos, curvado sob o peso considerável de um tronco de quase dois metros equilibrado sobre um dos ombros.
Eu disse olá quando se aproximou, ele balbuciou uma resposta e paramos para papear na garoa. Não perguntei por que estava levando uma tora encharcada para a floresta, onde parecia já haver muitos troncos. Depois de alguns minutos de troca de banalidades, seguimos cada um para um lado.
De nossa breve conversa, deduzi que acabara de conhecer o célebre excêntrico que o pessoal do local chamava de Prefeito de Angra dos hippies, referência a uma enseada ao norte da cidade que era um imã para andarilhos cabeludos, próximo de onde o Prefeito morava havia alguns anos. A maioria dos residentes de Angra dos Hippies era gente como eu, trabalhadores de verão que vinham a Cordova na esperança de obter empregos bem pagos na pesca, ou, se isso não desse certo, arranjar trabalho nas fábricas de salmão enlatado. Mas o Prefeito era diferente.
Seu verdadeiro nome era Gene Rosellini. Era o enteado mais velho de Victor Rosellini, um rico restaurador de Seattle, primo de Albert Rosellini, o imensamente popular governador do estado de Washington de 1957 a 1965. Na juventude, Gene fora um bom atleta e aluno brilhante. Lia obsessivamente, praticava ioga, tornou-se especialista em artes marciais. Manteve uma média perfeita de 4,0 durante todo o colégio e faculdade. Na Universidade de Washington e, depois, na de Seattle, mergulhou em antropologia, história, filosofia e linguística, acumulando centenas de créditos sem se formar em nada. Não via razão para isso. A busca do conhecimento, afirmava, era um objetivo valioso em si mesmo e não precisava de validação externa.
Rosellini deixou a universidade, partiu de Seattle e foi para o Norte pela costa, atravessando a Colúmbia Britânica e o enclave do Alasca. Em 1977, baixou em Cordova. Ali, na floresta à margem da cidade, decidiu devotar sua vida a uma experiência antropológica ambiciosa.
"Eu estava interessado em saber se era possível ser independente da tecnologia moderna", disse à repórter Debra McKinney, do Anchorage Daily News, uma década depois de chegar a Cordova. Queria saber se os seres humanos poderiam viver como nossos antepassados viviam na época em que mamutes e tigres dentes de sabre vagavam pela Terra, ou se nossa espécie tinha se afastado demais de suas raízes para conseguir sobreviver sem pólvora, aço e outros artefatos da civilização. Com o detalhismo obsessivo que caracteriza seu tipo de caráter atormentado, Rosellini expurgou de sua vida todas as ferramentas, exceto as mais primitivas, as quais fabricou a partir de materiais nativos com as próprias mãos.
"Ele se convenceu de que os humanos tinham degenerado em seres progressivamente inferiores", explica McKinney, "e que era seu objetivo retornar ao estado natural. Ele estava sempre fazendo experiências com épocas diferentes - tempos romanos, Idade do Ferro, Idade do Bronze. No final, seu estilo de vida tinha elementos do Neolítico."
Comia raízes, frutas silvestres e algas marinhas, caçava com lanças e armadilhas, vestia-se com trapos, suportava invernos rigorosos. Parecia ter prazer com as dificuldades. Sua casa acima da Angra dos Hippies era uma choupana sem janelas que construíra sem ajuda de serra ou machado. "Ele passava dias batalhando para cortar um tronco com uma pedra afiada", diz McKinney.
Como se a mera subsistência conforme suas regras auto-impostas não fosse árdua o suficiente, Rosellini também se exercitava compulsivamente sempre que não estava ocupado em obter alimento. Preenchia seus dias com calistenia, levantamento de peso e corrida, muitas vezes com um saco de pedras nas costas. Contou que durante o verão cobria uma média de 29 quilômetros por dia.
O "experimento" de Rosellini estendeu-se por mais de uma década, mas por fim ele achou que a questão que o inspirara fora respondida. Numa carta a um amigo, escreveu:
"Comecei minha vida adulta com a hipótese de que seria possível tornar-me um nativo da Idade da Pedra. Por mais de trinta anos, programei-me e condicionei-me para essa finalidade. Nos últimos dez anos, diria que experimentei de fato a realidade física, mental e emocional da Idade da Pedra. Mas, para tomar emprestada a expressão budista, finalmente chegou o momento do cara-a-cara definitivo com a pura realidade. Aprendi que não é possível para os seres humanos tal como os conhecemos viver da terra."
Rosellini parecia ter aceitado o fracasso de sua hipótese com serenidade. Aos 49 anos de idade, anunciou alegremente que tinha "refeito" seus objetivos e a próxima coisa que pretendia era "caminhar em volta do mundo, vivendo de minha mochila. Quero cobrir de trinta a 45 quilômetros por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano".
A viagem nunca decolou. Em novembro de 1991, Rosellini foi encontrado caído de bruços no chão de sua cabana com uma faca atravessada no coração. O médico legista determinou que o golpe fatal fora auto-infligido. Não havia bilhete suicida. Rosellini não deixou pistas sobre por que decidira acabar com a vida naquela ocasião e daquela maneira. Com toda a probabilidade, ninguém jamais saberá.
Eu disse olá quando se aproximou, ele balbuciou uma resposta e paramos para papear na garoa. Não perguntei por que estava levando uma tora encharcada para a floresta, onde parecia já haver muitos troncos. Depois de alguns minutos de troca de banalidades, seguimos cada um para um lado.
De nossa breve conversa, deduzi que acabara de conhecer o célebre excêntrico que o pessoal do local chamava de Prefeito de Angra dos hippies, referência a uma enseada ao norte da cidade que era um imã para andarilhos cabeludos, próximo de onde o Prefeito morava havia alguns anos. A maioria dos residentes de Angra dos Hippies era gente como eu, trabalhadores de verão que vinham a Cordova na esperança de obter empregos bem pagos na pesca, ou, se isso não desse certo, arranjar trabalho nas fábricas de salmão enlatado. Mas o Prefeito era diferente.
Seu verdadeiro nome era Gene Rosellini. Era o enteado mais velho de Victor Rosellini, um rico restaurador de Seattle, primo de Albert Rosellini, o imensamente popular governador do estado de Washington de 1957 a 1965. Na juventude, Gene fora um bom atleta e aluno brilhante. Lia obsessivamente, praticava ioga, tornou-se especialista em artes marciais. Manteve uma média perfeita de 4,0 durante todo o colégio e faculdade. Na Universidade de Washington e, depois, na de Seattle, mergulhou em antropologia, história, filosofia e linguística, acumulando centenas de créditos sem se formar em nada. Não via razão para isso. A busca do conhecimento, afirmava, era um objetivo valioso em si mesmo e não precisava de validação externa.
Rosellini deixou a universidade, partiu de Seattle e foi para o Norte pela costa, atravessando a Colúmbia Britânica e o enclave do Alasca. Em 1977, baixou em Cordova. Ali, na floresta à margem da cidade, decidiu devotar sua vida a uma experiência antropológica ambiciosa.
"Eu estava interessado em saber se era possível ser independente da tecnologia moderna", disse à repórter Debra McKinney, do Anchorage Daily News, uma década depois de chegar a Cordova. Queria saber se os seres humanos poderiam viver como nossos antepassados viviam na época em que mamutes e tigres dentes de sabre vagavam pela Terra, ou se nossa espécie tinha se afastado demais de suas raízes para conseguir sobreviver sem pólvora, aço e outros artefatos da civilização. Com o detalhismo obsessivo que caracteriza seu tipo de caráter atormentado, Rosellini expurgou de sua vida todas as ferramentas, exceto as mais primitivas, as quais fabricou a partir de materiais nativos com as próprias mãos.
"Ele se convenceu de que os humanos tinham degenerado em seres progressivamente inferiores", explica McKinney, "e que era seu objetivo retornar ao estado natural. Ele estava sempre fazendo experiências com épocas diferentes - tempos romanos, Idade do Ferro, Idade do Bronze. No final, seu estilo de vida tinha elementos do Neolítico."
Comia raízes, frutas silvestres e algas marinhas, caçava com lanças e armadilhas, vestia-se com trapos, suportava invernos rigorosos. Parecia ter prazer com as dificuldades. Sua casa acima da Angra dos Hippies era uma choupana sem janelas que construíra sem ajuda de serra ou machado. "Ele passava dias batalhando para cortar um tronco com uma pedra afiada", diz McKinney.
Como se a mera subsistência conforme suas regras auto-impostas não fosse árdua o suficiente, Rosellini também se exercitava compulsivamente sempre que não estava ocupado em obter alimento. Preenchia seus dias com calistenia, levantamento de peso e corrida, muitas vezes com um saco de pedras nas costas. Contou que durante o verão cobria uma média de 29 quilômetros por dia.
O "experimento" de Rosellini estendeu-se por mais de uma década, mas por fim ele achou que a questão que o inspirara fora respondida. Numa carta a um amigo, escreveu:
"Comecei minha vida adulta com a hipótese de que seria possível tornar-me um nativo da Idade da Pedra. Por mais de trinta anos, programei-me e condicionei-me para essa finalidade. Nos últimos dez anos, diria que experimentei de fato a realidade física, mental e emocional da Idade da Pedra. Mas, para tomar emprestada a expressão budista, finalmente chegou o momento do cara-a-cara definitivo com a pura realidade. Aprendi que não é possível para os seres humanos tal como os conhecemos viver da terra."
Rosellini parecia ter aceitado o fracasso de sua hipótese com serenidade. Aos 49 anos de idade, anunciou alegremente que tinha "refeito" seus objetivos e a próxima coisa que pretendia era "caminhar em volta do mundo, vivendo de minha mochila. Quero cobrir de trinta a 45 quilômetros por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano".
A viagem nunca decolou. Em novembro de 1991, Rosellini foi encontrado caído de bruços no chão de sua cabana com uma faca atravessada no coração. O médico legista determinou que o golpe fatal fora auto-infligido. Não havia bilhete suicida. Rosellini não deixou pistas sobre por que decidira acabar com a vida naquela ocasião e daquela maneira. Com toda a probabilidade, ninguém jamais saberá.
Jon Krakauer