7 de maio de 2021

Animal laborans


O que chamamos de isolamento na esfera política é chamado de solidão na esfera dos contatos sociais. Isolamento e solidão não são a mesma coisa. Posso estar isolado — isto é, numa situação em que não posso agir porque não há ninguém para agir comigo — sem que esteja solitário; e posso estar solitário — isto é, numa situação em que, como pessoa, me sinto completamente abandonado por toda companhia humana — sem estar isolado. O isolamento é aquele impasse no qual os homens se veem quando a esfera política de suas vidas, onde agem em conjunto na realização de um interesse comum, é destruída. E, no entanto, o isolamento, embora destrua o poder e a capacidade de agir, não apenas deixa intactas todas as chamadas atividades produtivas do homem, mas lhes é necessário. O homem, como homo faber, tende a isolar-se com o seu trabalho, isto é, a deixar temporariamente o terreno da política. A fabricação (poiesis, o ato de fazer coisas), que se distingue, por um lado, da ação (praxis) e, por outro, do mero trabalho, sempre é levada a efeito quando o homem, de certa forma, se isola dos interesses comuns, não importa que o seu resultado seja um objeto de artesanato ou de arte. No isolamento, o homem permanece em contato com o mundo como obra humana; somente quando se destrói a forma mais elementar de criatividade humana, que é a capacidade de acrescentar algo de si mesmo ao mundo ao redor, o isolamento se torna inteiramente insuportável. Isso pode acontecer num mundo cujos principais valores são ditados pelo trabalho, isto é, onde todas as atividades humanas se resumem em trabalhar. Nessas condições, a única coisa que sobrevive é o mero esforço do trabalho, que é o esforço de se manter vivo, e desaparece a relação com o mundo como criação do homem. O homem isolado que perdeu o seu lugar no terreno político da ação é também abandonado pelo mundo das coisas, quando já não é reconhecido como homo faber, mas tratado como animal laborans cujo necessário "metabolismo com a natureza" não é do interesse de ninguém. É aí que o isolamento se torna solidão. A tirania baseada no isolamento geralmente deixa intactas as capacidades produtivas do homem; mas uma tirania que governasse "trabalhadores", 

Hannah Arendt

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