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10 de outubro de 2017

Condenado a ser livre


O homem começa por existir, isto é, o homem é de início o que se lança para um futuro e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é primeiro um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser musgo, podridão ou couve-flor; nada existe previamente a esse projeto; nada existe no céu ininteligível, e o homem será em primeiro lugar o que tiver projetado ser. Não o que tiver querido ser. Porque o que nós entendemos ordinariamente por querer é uma decisão consciente, e para a generalidade das pessoas posterior ao que se elaborou nelas. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me: tudo isto é manifestação de uma escolha mais original, mais espontânea do que se denomina por vontade.
(...) Escreveu Dostoievski: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido." É esse o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem encontra-se abandonado, porque não encontra em si, nem fora de si, a que agarrar-se. Ao começo não tem desculpa. Se, na verdade, a existência precede a essência, não é possível explicação por referência a uma natureza humana dada e hirta; dito de outro modo, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos em face de nós valores ou ordens que legitimem a nossa conduta. Assim, não temos nem por detrás de nós nem à nossa frente, no domínio luminoso dos valores, justificação ou desculpas. Estamos sozinhos, sem desculpa. É o que exprimirei dizendo que o homem está condenado a ser livre.
Se suprimi Deus Pai, cumpre que alguém invente os valores. Temos de tomar as coisas como elas são. Aliás, dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que compete dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido que tivermos escolhido. 
 
Jean-Paul Sartre

27 de outubro de 2016

Zero afetivo


A tristeza passiva é caracterizada, como se sabe, por uma conduta de abatimento: há diminuição do tônus muscular, palidez, resfriamento das extremidades; a pessoa vira-se para um canto e permanece sentada, imóvel, oferecendo ao mundo a menor superfície possível. Prefere a penumbra à plena luz, o silêncio aos ruídos, a solidão de um quarto à multidão dos lugares públicos ou das ruas. "Para ficar sozinho, dizem, com sua dor". Isso não é verdade: é de bom tom, com efeito, parecer meditar profundamente sobre sua mágoa. Mas são raros os casos em que se aprecia realmente a dor. A razão é bem outra: tendo desaparecido uma das condições ordinárias de nossa ação, o mundo exige de nós que ajamos nele e sobre ele sem ela.
Por exemplo, se fiquei sabendo de minha ruína, não disponho mais dos mesmos meios (carro particular etc.) para realizar minhas ações. Preciso substituir aqueles meios por novos (andar de ônibus etc.), e é precisamente o que não quero. A tristeza visa a suprimir a obrigação de buscar esses novos meios, de transformar a estrutura do mundo substituindo sua constituição presente por uma estrutura totalmente indiferenciada. Trata-se, em suma, de fazer do mundo uma realidade afetivamente neutra, um sistema em equilíbrio afetivo total, de abandonar os objetos com forte carga afetiva, de levá-los todos ao zero afetivo e, desse modo, apreendê-los como perfeitamente equivalentes e intercambiáveis. Em outras palavras, por não poder e querer realizar os atos que projetávamos, fazemos de modo que o universo nada mais exija de nós. Para tanto podemos apenas agir sobre nós mesmos, "ficar na penumbra".
 
Jean-Paul Sartre
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