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17 de agosto de 2017

O pessimista


O pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida; portanto lhe tira o caráter pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um Destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho - porque nos sentimos escolhidos e destacados para a Infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a Fortuna. Quem se queixaria de ser coxo - se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca de um Inverno especial, organizado nos céus para o envolver a ele unicamente - enquanto em redor toda a humanidade se movesse na benignidade de uma Primavera? (...) O Pessimismo é excelente para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da Inércia.
 
Eça de Queirós

18 de julho de 2017

Verificar a informação


Todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluídas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em política o fato mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou — apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos — "Este é uma besta! Aquele é um maroto!" Para proclamar — "É um gênio!" ou "É um santo!" oferecemos uma resistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há ação individual ou coletiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do fato, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto julgamos um caráter: por um caráter avaliamos um povo.

Eça de Queirós

27 de outubro de 2016

Ciclo


Bem-aventurados os que vão para debaixo do chão, porque vão para uma transfiguração sagrada. Mal caem sobre eles as últimas pazadas de terra e o canto dos padres, bárbaro e dolente, se perde com o fumo dos círios, o corpo fica só na plenidão da noite e do silêncio perante a grande vegetação esfomeada, ele vai dar-se ali como pasto às bocas sinistras das raízes: ele amolece entre as umidades da terra e desfaz-se em podridões: então as raízes começam a sugar e a comer: a podridão transforma-se em seiva; a seiva sobe pelos troncos, estende-se pelos ramos, palpita selvagemente dentro da árvore, engrossa, fecunda, arredonda-se nas exuberâncias dos gomos, e abre-se depois em folhagens, em florescências e em frutos: e o corpo transformado vê outra vez o sol, as grandes poeiras, e sente os orvalhos, e ouve as cantigas dos pastores, e vive sereno, repousado, na floresta imensa.

Eça de Queirós

1 de outubro de 2016

Bom demais para ser mentira


Tudo que não seja viver escondido numa casinhola, pobre ou rica, com uma pessoa que se ame, e no adorável conforto espiritual que dê esse amor - me parece agora vão, fictício, inútil, oco e ligeiramente imbecil.
 
Eça de Queirós
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