8 de agosto de 2020

Brexout


Se o Parlamento da Grã-Bretanha adquirisse plenamente o direito de taxar as colônias, mesmo independentemente do consentimento de suas próprias Assembleias, a partir desse momento acabaria a importância dessas Assembleias e, com isso, também a importância de todas as pessoas líderes da América britânica. As pessoas desejam ter certa participação na administração dos negócios públicos, sobretudo pelo prestígio que tal administração lhes dá. A estabilidade e a duração de todo sistema de livre governo depende do poder que detém a maior parte dos líderes, da aristocracia natural de cada país, de preservar ou defender seu respectivo prestígio. É nos ataques mútuos que esses líderes fazem continuamente ao prestígio de seus pares e na defesa de seu próprio prestígio que consiste todo o jogo das facções e da ambição políticas internas. Os líderes da América, como os de todos os outros países, desejam preservar seu próprio prestígio. Pensam ou imaginam que, se suas Assembleias — que gostam de denominar Parlamentos e de considerá-las em pé de igualdade com o Parlamento da Grã-Bretanha —, no que tange à autoridade, fossem de tal forma degradadas a ponto de se transformar em humildes ministros e oficiais executivos do Parlamento britânico, acabaria a maior parte de seu próprio prestígio. Por isso, têm rejeitado a proposta de serem taxados por requisição parlamentar e, como outros homens ambiciosos e altivos, preferiram desembainhar a espada em defesa de seu próprio prestígio.
Quando começou a declinar a República dos romanos, os aliados de Roma, que haviam arcado com o ônus principal de defender o Estado e ampliar o Império, exigiram o direito de participar de todos os privilégios dos cidadãos romanos. A recusa dessa exigência fez irromper a guerra social. No decurso daquela guerra, Roma outorgou os mencionados privilégios à maior parte deles, um após outro, à medida que eles se desligavam da Confederação Geral. O Parlamento da Grã-Bretanha insiste em taxar as colônias; elas, por sua vez, recusam-se a ser taxadas por um Parlamento no qual não estão representadas. Se a cada colônia que se desligasse da Confederação Geral, a Grã-Bretanha permitisse um número de representantes proporcional à contribuição dela à renda pública do Império, por estar sujeita aos mesmos impostos, e se lhes permitisse, em compensação, a mesma liberdade de comércio que se reconhece a todos os súditos residentes na Grã-Bretanha; se o número de seus representantes aumentasse em proporção a sua contribuição futura, dar-se-ia aos líderes de cada colônia uma nova maneira de adquirir prestígio, um novo e mais fascinante objeto de ambição. Em vez de disputarem os pequenos prêmios suscetíveis de obter no que se pode chamar o mísero sorteio das facções coloniais, poderiam ter a esperança de, fundados na presunção que as pessoas naturalmente têm em sua própria capacidade e boa sorte, ganhar alguns dos grandes prêmios às vezes concedidos pela roda da grande loteria estatal da política britânica. A menos que se adote esse método, ou algum outro — e não parece haver nenhum outro mais óbvio que esse, para preservar o prestígio e gratificar a ambição dos líderes da América — não é muito provável que eles jamais se sujeitem voluntariamente a nós. Por outro lado, devemos considerar que cada gota do sangue a ser derramado para forçá-los a essa submissão é daqueles que são concidadãos nossos, ou daqueles que desejamos ter como nossos concidadãos. São muito fracos os que se lisonjeiam com o pensamento de que, na situação à qual chegamos, as nossas colônias serão conquistadas com facilidade, somente pela força. As pessoas que atualmente determinam as resoluções do que denominam seu Congresso Continental sentem em si mesmas, neste momento, um grau de importância e prestígio que, talvez, os maiores súditos europeus dificilmente sentem. De lojistas, comerciantes e agentes, transformaram-se em estadistas e legisladores, estando empenhados em excogitar uma nova forma de governo para um grande império, o qual, gabam-se eles, se transformará — e parece ter muita probabilidade de transformar-se efetivamente — num dos maiores e mais temíveis que jamais existiram no mundo. Quinhentas pessoas que, talvez, de maneiras diversas, ajam imediatamente sob o Congresso Continental, e quinhentas mil que, talvez, ajam sob as mencionadas quinhentas, todas sentem, da mesma forma, um crescimento proporcional de sua própria importância. Quase todo o indivíduo do partido governante na América ocupa, no momento, em sua própria imaginação, uma posição superior não somente àquela que ele jamais ocupou, mas também àquela que ele jamais esperou ocupar; e, a menos que se apresente a ele ou a seus líderes algum novo objeto de ambição, sacrificará a vida em defesa dessa posição, se tiver a tenacidade normal de um homem.
 
Adam Smith

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