8 de agosto de 2019

Os pilantras do agronegócio


Um solo fértil é um solo vivo que contém bilhões de organismos vivos em cada centímetro cúbico. É um complexo ecossistema em que as substâncias que são essenciais à vida passam em ciclos, das plantas para os animais, depois para as bactérias do solo e novamente para as plantas. Carbono e nitrogênio são dois elementos químicos básicos que passam por esses ciclos ecológicos, além de muitos outros nutrientes químicos e minerais. A energia solar é o combustível natural que aciona os ciclos do solo, e organismos vivos de todos os tamanhos são necessários para sustentar o sistema todo e mantê-lo em equilíbrio. Assim, as bactérias executam várias transformações químicas, como o processo de fixação do nitrogênio, que torna os nutrientes acessíveis às plantas; as ervas daninhas de raízes profundas levam minerais residuais à superfície do solo, onde as culturas podem fazer uso deles; as minhocas revolvem o solo e afrouxam sua textura; todas essas atividades são interdependentes e combinam-se harmoniosamente para fornecer o alimento que sustenta toda a vida na terra.
A natureza básica do solo vivo requer uma agricultura que, em primeiro lugar e acima de tudo, preserve a integridade dos grandes ciclos ecológicos. Esse princípio estava consubstanciado nos métodos tradicionais de lavoura, os quais se baseavam num profundo respeito pela vida. os agricultores costumavam desenvolver diferentes culturas a cada ano, alternando-as de modo que o equilíbrio do solo fosse preservado. Não eram necessários pesticidas, uma vez que os insetos atraídos para uma cultura desapareciam com a seguinte. Em vez de usarem fertilizantes químicos, os agricultores enriqueciam seus campos com estrume, devolvendo assim matéria orgânica ao solo para restabelecer o ciclo biológico.
Essa antiquíssima prática de lavoura ecológica mudou quando os agricultores passaram dos produtos orgânicos para os sintéticos, que abriram vastos mercados para as companhias petroquímicas. Para os agricultores, o efeito imediato dos novos métodos de lavoura foi um aumento espetacular da produção agrícola, e a nova era da lavoura química foi saudade como a Revolução Verde. Contudo, o lado sombrio da nova tecnologia não tardou em evidenciar-se e, hoje, está provado que a Revolução Verde não ajudou os agricultores, nem a terra, nem os milhões de famintos do mundo inteiro. Os únicos que lucraram com isso foram as grandes companhias petroquímicas.
O uso maciço de fertilizantes e pesticidas químicos mudou toda a estrutura básica da agricultura e da lavoura. A indústria persuadiu os agricultores de que podiam lucrar muito desenvolvendo uma única cultura altamente lucrativa em campos imensos e controlando parasitas e pragas com produtos químicos. Os resultados dessa prática de monoculturas de uma única safra foram grandes perdas de variedade genética nos campos e, por conseguinte, altos ricos de grandes áreas de terras cultivadas serem destruídas por uma única praga. As monoculturas também afetaram a saúde das pessoas que vivem nas áreas agrícolas; essas pessoas já não eram capazes de obter uma dieta balanceada através de alimentos cultivados nas imediações e, assim, tornarem-se propensas a enfermidades.
Com os novos produtos químicos, a lavoura tornou-se mecanizada e passou a consumir muita energia, com ceifadeiras-debulhadoras, alimentadores e sistemas de rega automatizados, e muitas outras máquinas economizadores de mão de obra que executam o trabalho anteriormente realizado por milhões de pessoas. As limitadas noções de eficiência ajudaram a esconder as deficiências desses métodos de lavoura com uso intensivo de capital, na medida em que os agricultores foram seduzidos pelas maravilhas da tecnologia moderna.
Enquanto os agricultores americanos puderam triplicar suas safras de cereais por acre e, ao mesmo tempo, reduzir a mão de obra em dois terços, o montante de energia usada para produzir um acre de cereal quadruplicou. O novo estilo de lavoura favoreceu as grandes companhias agrícolas, com grandes capitais, e forçou a maioria dos agricultores tradicionais, com base na família, que não tinham meios para se mecanizar, a abandonar suas terras.
Aqueles agricultores que puderam permanecer na terra tiveram que aceitar uma profunda transformação em sua imagem, seu papel e suas atividades. De cultivadores de alimentos comestíveis, que se orgulhavam de alimentar os povos do mundo, os agricultores converteram-se em produtores de matérias-primas industriais a serem transformadas em mercadorias destinadas à comercialização em massa. Assim, o milho é convertido em amido ou xarope; a soja converte-se em óleo, alimentos para cachorros ou concentrados de proteínas; a farinha de trigo é convertida em massas ou misturas empacotadas. Para o consumidor, o vínculo desses produtos com a terra quase desapareceu, e não surpreende que muitas crianças cresçam hoje acreditando que o alimento vem das prateleiras do supermercado.
A lavoura como um todo converteu-se numa indústria gigantesca, em que decisões-chave são tomadas por "agrocientistas" e transmitidas a "agroadministradores" ou técnicos agronômicos - os antigos agricultores - através de uma cadeia de agentes e vendedores. Assim, os agricultores perderam quase toda a sua liberdade e criatividade, e passaram a ser, na verdade, consumidores de técnicas de produção. Essas técnicas não se baseiam em considerações ecológicas, pois são forçadas, pelas conveniências do mercado, a voltar-se para tal ou tal mercadoria. Os agricultores já não podem cultivar ou criar aquilo que é mais indicado para determinado tipo de terra ou aquilo de que as pessoas necessitam; eles têm que plantar ou criar o que o mercado dita. 
Os efeitos a longo prazo da excessiva "quimioterapia" na agricultura provaram ser desastrosos para a saúde do solo e das pessoas, para as nossas relações sociais e para todo o ecossistema do planeta. Quando as mesmas culturas são plantadas e fertilizadas sinteticamente ano após ano, o equilíbrio do solo é perturbado. A quantidade de matéria orgânica diminui e, com ela, a capacidade do solo para reter a umidade. O conteúdo de humo é exaurido e a porosidade do solo se reduz. Essas mudanças na contextura do solo acarretam uma série de consequências interligadas. A exaustão da matéria orgânica torna o solo estéril e seco; a água, ao correr por ele, não o penetra nem o umedece. O solo fica duro e compacto, o que obriga os agricultores a usar máquinas mais poderosas. Por outro lado, o solo estéril é mais suscetível de erosão eólica e hídrica, a qual está cobrando um tributo crescente. 
O uso maciço de fertilizantes químicos afetou seriamente o processo natural de fixação do nitrogênio ao danificar as bactérias do solo envolvidas nesse processo. Por consequência, as culturas estão perdendo sua capacidade de absorver os nutrientes do solo e ficando cada vez mais viciadas em produtos químicos sintéticos. Dado que sua eficiência na absorção de nutrientes por esse meio é muito inferior, nem todos os produtos químicos são absorvidos pela plantação, mas escorrem juntamente com a água ou são drenados dos campos em direção a rios e lagos.
O desequilíbrio ecológico causado pela monocultura e pelo uso excessivo de fertilizantes químicos resulta inevitavelmente em enorme recrudescimento de pragas e doenças, que os agricultores contra-atacam pulverizando as áreas plantadas com doses cada vez maiores de pesticidas; combatem, assim, os efeitos do abuso de produtos químicos pelo uso de mais produtos químicos. Entretanto, os pesticidas geralmente não conseguem destruir as pragas, porque estas tendem a se tornar imunes a esses produtos. Quando começou o uso maciço de pesticidas, as perdas de safras causadas por insetos não diminuíram; pelo contrário, quase dobraram. Além disso, muitas culturas são agora atacadas por insetos que nunca haviam sido considerados pragas anteriormente, pragas essas que estão ficando cada vez mais resistentes a todos os inseticidas.
Se a Revolução Verde teve consequências desastrosas para o bem-estar dos agricultores e a saúde do solo, os riscos para a saúde humana não foram menos graves. O uso excessivo de fertilizantes e pesticidas fez com que grandes quantidades de agrotóxicos se infiltrassem no solo, contaminando o lençol de água e penetrando nos alimentos. Talvez metade dos pesticidas existentes no mercado contenham produtos derivados da destilação do petróleo que podem destruir o sistema imunológico natural do corpo. Outros contêm substâncias especificamente relacionadas com o câncer. Entretanto, esses resultados alarmantes em nada afetaram a venda e o uso de fertilizantes e pesticidas. Alguns dos produtos químicos mais perigosos foram proibidos por lei nos Estados Unidos, mas as companhias petrolíferas continuam a vendê-los nos países subdesenvolvidos, onde a legislação é menos rigorosa, como ocorre com as companhias farmacêuticas, que aí vendem livremente medicamentos nocivos. No caso dos pesticidas, todas as populações são diretamente afetadas por essa prática imoral, porque os agrotóxicos retornam aos Estados Unidos nas frutas e nos legumes importados dos países subdesenvolvidos.

Fritjof Capra

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