21 de agosto de 2020

Engessamento da religião


A religião não se torna transparente a menos que vejamos, por detrás de suas expressões objetivas, a consciência no seu momento de experiência religiosa. Frequentemente, as instituições religiosas nada mais são que fósseis de uma experiência religiosa que há muito desapareceu. Por força do próprio poder da inércia continuam a habitar o mundo social, a ocupar espaço e a falar de deuses e demônios, mas os seus símbolos deixaram de ser expressões de qualquer experiência vivenciada no presente. É este processo de distanciamento progressivo das instituições, centrífugo, para longe das experiências que lhes deram origem, que explica o inevitável envelhecimento dos deuses e a progressiva perda de significação da linguagem religiosa, outrora carregada de conteúdos emocionais. Por isto de quando em quando morrem os deuses, porque de repente se descobre que nada significam, que são inutilidades feitas de madeira e pedra, fabricadas pelas mãos dos homens. Na realidade, neste momento o homem simplesmente descobre que nunca havia pensado coisa alguma sobre as suas imagens. Aqui estão as raízes deste curioso fenômeno: enquanto o homem continua por força da rotina e da coerção social, a reverenciar os deuses que a sociedade entronizou, mas que perderam o poder para simbolizar e expressar suas vivências emocionais, ao mesmo tempo ele busca outros deuses, talvez menos respeitáveis, mas que de alguma forma corporifiquem as suas experiências vividas.

Rubem Alves

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