22 de maio de 2018

O homem é o lobo do homem


Quando não existe um poder comum capaz de manter os homens numa atitude de respeito, temos a condição do que denominamos guerra; uma guerra de todos contra todos. Assim, a guerra não é apenas a batalha ou o ato de lutar, mas o período de tempo em que existe a vontade de guerrear; logo, a noção de tempo deve ser considerada como parte da natureza da guerra, tal como é parte da noção de clima. Da mesma forma que a natureza do mau tempo não consiste em algum chuvisco, mas numa tendência à chuva intermitente com duração de dias, a natureza de guerra não consiste na luta real, mas na disposição para ela durante todo o tempo em que não há segurança do contrário. O tempo restante é de paz.
Portanto, tudo o que é válido para os homens em tempo de guerra, quando uns são inimigos dos outros, o é, também, durante o tempo em que os homens vivem sem outra segurança a não ser a da própria força e a da própria criatividade. Nesse tempo não pode haver lugar para a faculdade inventiva, pois seus resultados são incertos; consequentemente, não é possível cultivar a terra nem navegar, e não são utilizadas mercadorias importadas que cheguem por via marítima; não há construções cômodas, nem máquinas para remover grandes pesos; o conhecimento não se desenvolve sobre a face da terra; o tempo não é contado; não há artes; não há cartas nem sociedade; e, o que é pior: há um temor contínuo e a ameaça de morte violenta. A vida do homem é, então, solitária, pobre, embrutecida e curta.
Quem não pondera sobre essas coisas poderá estranhar que a Natureza dissocie os homens e os torne propensos a se atacarem e destruírem. Pode ocorrer que, não confiando nessa inferência, baseada nas paixões, o homem deseje ver a mesma confirmada pela experiência. Cuide ele, então, de considerar consigo mesmo: quando empreende uma viagem, ele se arma e procura ir acompanhado; ao recolher-se, fecha bem as portas de sua casa e, mesmo estando dentro dela, tranca arcas e armários; isso tudo mesmo diante do conhecimento de que existem leis e funcionários públicos armados para defendê-lo e revidar a qualquer injúria que lhe venha a ser feita. O que pensa ele de seus concidadãos, quando se arma para viajar, quando tranca as portas de seu quarto e dos quartos de seus filhos e empregados? Isso não é o mesmo que desconfiar de toda a humanidade e acusá-la, como eu faço com as minhas palavras? Não estamos, com isso, acusando a natureza humana. Desejos e paixões não são intrinsecamente pecados, como também não o são as ações resultantes dessas paixões, até o momento em que seja editada uma lei que as proíba; enquanto não existir uma lei, a proibição será inócua. Nenhuma lei poderá ser editada enquanto os homens não entrarem num acordo e designarem uma pessoa para promulgá-la.

Thomas Hobbes

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