Desde que se registra a história do pensamento humano, as doutrinas filosóficas se sucedem interminavelmente. Desde que podemos acompanhar a evolução das sociedades, ideias e movimentos políticos aí estão presentes. E de todas as sociedades históricas podemos dizer que foram dominadas pelo conflito, aberto ou latente, entre camadas e grupos sociais, pela luta de classes. Mas, a cada vez, a visão do mundo, as ideias sobre a organização da sociedade e do poder e os antagonismos efetivos das classes só se ligaram entre si de forma subterrânea, implícita, não consciente. E a cada vez aparecia uma nova filosofia, que iria responder aos problemas que as precedentes haviam deixado em aberto, outro movimento político fazia valer suas pretensões, numa sociedade dilacerada por um novo conflito - e sempre o mesmo.
O marxismo apresentou, em seu começo, uma exigência inteiramente nova. A união da filosofia, da política e do movimento real da classe explorada na sociedade não seria uma simples adição, mas sim uma síntese verdadeira, uma unidade superior na qual cada um destes elementos iria ser transformado. A filosofia podia ser outra coisa e mais do que filosofia, mais que um refúgio da impotência e uma solução dos problemas humanos na ideia, na medida em que traduziria suas exigências numa nova política. A política podia ser outra coisa e mais do que política, que técnica, manipulação, utilização do poder para fins particulares, na medida em que se tornasse a expressão consciente das aspirações e dos interesses da grande maioria dos homens. A luta da classe explorada podia ser mais do que uma defesa de interesses particulares, na medida em que esta classe visasse, através da supressão de sua exploração, a supressão de toda exploração, através de sua própria liberação a liberação de todos e a instauração de uma comunidade humana - a mais elevada das ideias abstratas a que a filosofia tradicional tinha podido alcançar.
O marxismo estabelecia assim o projeto de uma união da reflexão e da ação, da mais elevada reflexão e da ação mais cotidiana. Ele estabelecia o projeto de uma união entre os que praticam esta reflexão e esta ação e os outros, da supressão da separação entre uma elite ou uma vanguarda e a massa da sociedade. Ele quis ver no dilaceramento e nas contradições do mundo atual, mais do que uma reedição da eterna incoerência das sociedades humanas, ele quis sobretudo fazer disso outra coisa. Ele pediu que se visse na contestação da sociedade pelos homens que nela vivem, mais do que um fato bruto ou uma fatalidade, os primeiros balbucios da linguagem da sociedade futura. Visou a transformação consciente da sociedade pela atividade autônoma dos homens cuja situação real leva a lutar contra ela; e viu esta transformação não como uma explosão cega, nem como uma prática empírica, mas como uma praxis revolucionária, como uma atividade consciente que permanece lúcida quanto a si mesma não se alienando em uma nova "ideologia".
Esta nova exigência foi o que o marxismo trouxe de mais profundo e mais durável. Foi ela, que, efetivamente, fez do marxismo algo mais do que outra escola filosófica ou um outro partido político. É ela que, no plano das ideias, justifica que falemos ainda do marxismo hoje em dia, obrigando-nos mesmo a fazê-lo.
Cornelius Castoriadis
Nenhum comentário:
Postar um comentário