Ninguém é responsável pelo funcionamento do mundo. Nenhum de
nós precisa acordar cedo para acender as caldeiras e checar se a Terra está
girando em torno do seu próprio eixo na velocidade apropriada, e em torno do
Sol de modo a garantir a correta sucessão das estações. Como num prédio bem
administrado, os serviços básicos do planeta são providenciados sem que se
enxergue o síndico - e sem taxa de administração. Imagine se coubesse à
humanidade, com sua conhecida tendência ao desleixo e à improvisação, manter a
Terra na sua órbita e nos seus horários, ou se - coroando o mais delirante dos
sonhos liberais - sua gerência fosse entregue a uma empresa privada, com
poderes para remanejar os ventos e suprimir correntes marítimas, encurtar ou
alongar dias e noites e até mudar de galáxia, conforme as conveniências de mercado,
e ainda por cima sujeita a decisões catastróficas, fraudes e falência.
É verdade que, mesmo sob o atual regime impessoal, o mundo
apresenta falhas na distribuição dos seus benefícios, favorecendo alguns
andares do prédio metafórico e martirizando outros, tudo devido ao que só pode
ser chamado de incompetência administrativa. Mas a responsabilidade não é
nossa. A infraestrutura já estava pronta quando nós chegamos. Apesar de
tentativas como a construção de grandes obras que afetam o clima e redistribuem
as águas, há pouco que podemos fazer para alterar as regras do seu
funcionamento.
Podemos, isto sim, é colaborar na manutenção da Terra. Todos
os argumentos conservacionistas e ambientalistas teriam mais força se
conseguissem nos convencer de que somos inquilinos no mundo. E que temos as
mesmas obrigações de qualquer inquilino, inclusive a de prestar contas por cada
arranhão no fim do contrato. A escatologia cristã deveria substituir o Salvador
que virá pela segunda vez para nos julgar por um Proprietário que chegará para
retomar seu imóvel. E o Juízo Final, por um cuidadoso inventário em que todos
os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
– Cadê a floresta que estava aqui? - perguntaria o
Proprietário. - Valia uma fortuna.
– Este rio não está como eu deixei… E, depois de uma
contagem minuciosa:
– Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar. Apontar as
benfeitorias - monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existiam
desertos - para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
– Para o que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era muito
mais bonita.
– E a catedral de Chartres? Fomos nós que construímos.
Aumentou o valor do terreno em…
– Fiquem com todas as suas catedrais, represas, cidades e
shoppings. Quero o mundo como eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica. Precisamos de
uma mentalidade de inquilinos. E do terror da indenização.
Luis Fernando Verissimo
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