4 de outubro de 2023

Mitologia não é História


No hinduísmo ou no budismo a interpretação histórica dos símbolos, a referência à vida de Buda, é bastante secundária. O enfoque no hinduísmo ou no budismo é a relevância das formas simbólicas para nossa própria vida. Entendemos essas referências em relação ao nosso íntimo. Por exemplo, a maioria dos Budas não teve uma existência histórica e ninguém pensa que jamais tenham tido. Para os chineses Kwan Yin, ou para os japoneses Kwannon, o grande Bodhisattva de compaixão inexaurível é uma figura meramente mítica, mas que representa algo.
Quanto às tradições cristãs, o enfoque está no entendimento histórico dos termos, das imagens. Se dissermos para um cristão que Jesus não ressuscitou fisicamente de entre os mortos, e não subiu aos céus, estaremos desafiando o que ele considera importante na sua fé.
No que se refere aos judeus, se começarmos a questionar toda a história do Êxodo e de Moisés subindo a montanha para voltar com as tábuas da lei, em seguida quebrá-las e voltando a fim de obter uma segunda versão; se expressarmos dúvidas sobre tudo isso, estaremos fazendo uma afronta direta.
Para os hindua não é importante o que aconteceu há dois ou três mil anos, em algum outro lugar, mas o que está acontecendo a você agora. O que o símbolo está fazendo a você agora?
Mas como o judaísmo e o cristianismo são ordens de símbolos mitologicamente estruturados ambos são suscetíveis de outra espécie de leitura. E isso aparece de vez em quando, com um profeta ou um místico que subitamente vê o símbolo dizendo algo inteiramente diferente. E isso é algo que tem a ver com uma atitude imediata, de você para com a vida.
Por exemplo, em relação à Crucificação, se a vemos como uma calamidade que é o resultado de nossos pecados e do pecado de Adão, e que Jesus, o Filho do Pai, tinha de vir à terra, e entregar-se para morrer na cruz, e veja a tristeza que há - bem, essa é uma leitura.
Mas é possível ler de outra maneira; como o desejo da eternidade pela encarnação no tempo, que envolve a fragmentação do uno em muitos e a aceitação dos sofrimentos da vontade como parte dos deleites orgânicos, a Sabedoria Receptiva e o êxtase, a bem-aventurança - ele está em bem-aventurança. Santo Agostinho diz, em algum lugar: "Jesus foi para a Cruz como o noivo vai para a noiva". Essa é uma transformação total da ideia. 
Ainda outra: a ideia do final dos tempos. O final dos tempos como um evento histórico. Não faz sentido. E o que importa? A importância do final dos tempos é um evento psicológico. Temos de nos render e experienciá-lo dessa forma.
(...)
Bem, neste momento, competindo com todos os gurus, rinpoches e rishis que estão vindo para cá, os cristãos estão começando a pensar: "Talvez não seja somente sociologia ou a ajuda aos pobres", mas sim encontrar o divino dentro de si mesmo e viver não só por si mas com o Cristo dentro de si. Precisamos que o Oriente nos ensine os aspectos da experiência pessoal na religião. 
A ideia de Cristo e a ideia de Buda são símbolos mitológicos perfeitamente equivalentes. Duas maneiras de dizer a mesma coisa: que uma consciência energética transcendente dá forma ao mundo todo e nos dá forma.

Joseph Campbell

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