Quando o primeiro volume do atlas foi lançado, The way of the animal powers, o editor me enviou em uma turnê destinada a divulgá-lo. É o pior tipo de turnê que há, pois temos de falar a pessoas que não sabem absolutamente nada sobre o tema tratado nno livro. E a primeira pergunta que em geral fazem é: "O que é um mito?".
Mas eu conseguira, finalmente, pensar em uma boa definição, capaz de manter o interesse dessas pessoas. Eu sabia, é claro, que ninguém entenderia o que era mito, mas de qualquer forma o que eu diria pareceria uma definição.
Assim, lá pelo final daquela turnê eu cheguei a... - não vou dizer o nome da cidade nem de quem se tratava - mas tive de dar uma entrevista de hora e meia, ao vivo, em uma rádio. Quando entrei na sala a luz vermelha não estava acesa ainda, e tivemos uma pequena conversa. E a primeira coisa que me disse o jovem que estava sentado bem diante de mim, à mesa, foi: "Eu sou durão. Vou lhe dizer logo uma coisa, não tente me enganar, eu estudei Direito".
Para mim, tudo bem. A luz vermelha foi acesa e o jovem inicia o programa com esta ideia bem popular: "Mito é uma mentira, não é?".
Eu respondi: "Não, deve-se falar de mitologia, de toda uma mitologia pela qual um povo vive. Mitologia é a organização de narrativas simbólicas e imagens que são metafóricas das possibilidades da experiência humana e da sua realização em determinada cultura, em certa época".
É claro que foi a mesma coisa que jogar palavras pela janela.
"É uma mentira."
"É uma metáfora."
"É uma mentira".
Ainda tínhamos uns cinco minutos para ficar naquilo e eu compreendi que o rapaz não sabia o que era uma metáfora. Pensei que eu também poderia ser durão. Eu o havia pego e ele não conseguiria escapar.
Eu disse: "Não, eu estou lhe dizendo que os mitos são metáforas. Me dê um exemplo de metáfora".
"Dê-me o senhor um exemplo de metáfora", respondeu ele.
Mas eu fora professor durante trinta e oito anos e portanto insisti: "Não, sou eu que estou fazendo uma pergunta dessa vez. Dê-me o exemplo de uma metáfora".
Bem, o coitado desmoronou. Sabe, eu me senti envergonhado. Não se faz uma coisa dessas.
Nietzsche escreveu, creio que em Assim falava Zaratustra, ou em A vontade de poder, sobre o criminoso covarde, que tem coragem para usar a faca mas não para ver o sangue correr. E eu naquele momento não tinha coragem para encarar o que eu fizera ao jovem no seu próprio programa, diante do seu público. Era um programa que tinha o seu nome.
Transtornado, ele disse: "Não sei o que fazer. Espere um pouco". Tomou fôlego (faltava ainda um minuto e meio ou dois para acabar o programa) e continuou: "Vou tentar... Fulano corre velozmente. Dizem que ele corre como um cervo".
Eu: "Isso é uma comparação, não é uma metáfora". Tique-taque, tique-taque, fazia o relógio. "A metáfora é: Fulano é um cervo".
"Isso é mentira", disse ele.
"É uma metáfora!", eu disse.
E foi o fim do programa.
Então compreendi uma coisa muito simples.
As pessoas dizem que acreditam em Deus. Deus é uma metáfora usada para designar um mistério que transcende totalmente as categorias humanas do pensamento. Até mesmo as categorias do ser e do não-ser. Essas são as categorias do pensamento. O que quero dizer é uma coisa muito simples - tudo depende de quanta reflexão queremos dedicar a isso. Se essa forma de pensar nos faz entrar em contato com o mistério que é a base de nossa ser. Se não fizer, então é uma mentira.
Assim, metade das pessoas do mundo é religiosa e pensa que suas metáforas são fatos. Essas são as pessoas teístas. A outra metade sabe que as metáforas não são fatos e, portanto, são mentiras. Essas são ateístas.
Joseph Campbell
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