Sempre soube que o temperamento dela era possessivo, mas nunca imaginei que Charlotte pudesse ter tantos ciúmes de tudo em minha vida que não se relacionasse com ela. Mostrava uma curiosidade intensa e insaciável a respeito de meu passado. Queria que eu ressuscitasse todos os meus antigos amores apenas para obrigar-me a insultá-los, pisoteá-los, abjurá-los numa apostasia total e definitiva, destruindo assim meu passado. Forçou-me a falar sobre meu casamento com Valéria, que era na verdade uma criatura extraordinariamente risível; mas também tive de inventar, ou enfeitar com mentiras atrozes, uma longa série de romances para satisfazer a curiosidade mórbida de Charlotte. A fim de contentá-la, apresentei um catálogo ilustrado dessas amantes, todas cuidadosamente diferenciadas segundo as regras estabelecidas por aqueles anúncios americanos em que qualquer grupo de estudantes deve sempre refletir uma sutil dosagem de raças, de tal modo que um deles - só um, mas sempre muito engraçadinho - é um menino cor de chocolate, de olhos bem redondos, sentado quase no centro da primeira fila. Assim fiz desfilar minhas mulheres - a loura langorosa, a morena escaldante, a ruiva sensual -, todas sorrindo e se rebolando como se estivessem se exibindo num bordel. Quanto mais vulgares as fazia parecer, mais a sra. Humbert apreciava o espetáculo.
Nunca em minha vida confessei tanto e ouvi tantas confissões. A sinceridade e candura com que ela discutia o que chamava de sua "vida amorosa", desde os primeiros beijos até o vale-tudo conubial, contrastavam fortemente, do ponto de vista ético, com minhas torrenciais invencionices, mas tecnicamente tinham uma origem comum - novelas radiofônicas, psicanálise e romances baratos -, na qual eu ia buscar minhas personagens e ela seu modo de expressão.
Vladimir Nabokov
Nenhum comentário:
Postar um comentário