Oh Musas, por que sacudistes meu corpo inerte?
Deixem-me dormir! Por que quereis despertar quem,
Cansado e vencido, busca no sono a paga da desesperança,
Nas sombras o abrigo, e no esquecimento a dissolução do ser?
Oh Musas, quero-vos muito mal, e, se estiver em meu poder,
E julgar que for de bom alvitre, esquentarei suas belas bundas,
De ambos os jeitos, pare que não voltem a me perturbar, e então
Voltarei ao escuro que me acolhia, sem recordar patavina.
Oh Musas, eu vos odeio do fundo do meu ser! Não podem para de falar?
Não fôsseis filhas de Zeus! O quê? Meu eu lírico? O que é que tem o meu eu lírico?
Sumido? Cansado? Vocês estão com saudade dos meus versos? Ah! Por favor,
Não me façam rir, porque isso espantaria o resto de torpor que ainda me sustém.
Oh Musas, suas danadas de traseiros lindos e empinados
(Andaram tendo aulas com Afrodite não é? Suas safadinhas...)
O que quereis de mim, além de excitar-me com suas belas vozes,
Peles macias, pés bem feitos, gemidos virginais e olhos sagazes e fugidios?
Oh Musas, isso não!, isso não farei! Isso seria minha morte (de novo).
Por favor, não me adulem com elogios e belos epítetos. A mudez se instalou.
Aquela epifania não quero mais. Parti minha flauta, quebrei minha harpa.
Nem pássaro canta mais por aqui, nem jovem pastor passa cantarolando
Oh Musas, Vossa tagarelice está a me deixar de mau humor, o que
Me recorda que foi sob os cuidados do vermelho Ares que me recolhi
Sedento de sangue, de vingança e, finalmente, abatido pela fadiga...
Não, a guerra não vale a pena, mas os encantos de Afrodite valem mais?
Oh Musas! Tudo ilusões! Como confundir o fogo com o sol,
A luz com a chama, a vontade com a certeza, e a certeza com a razão...
Os deuses, imersos no tédio inescapável de Sua imortalidade,
Divertem-se, pondo-se a observar as humanas provações.
Oh Musas! Atentem-se quanto a isso! Os deuses tudo podem,
Tudo sabem, tudo decidem. Mas são deuses, desde o início dos tempos,
Estão gastos. De tanto pensarem, já de nada sabem, de tanto sentirem,
Tornarem-se insensíveis, e tudo decidem como velhos bêbados!
Oh Musas! Aproximai-vos, que lhes contarei o grande segredo:
Os deuses invejam os mortais. Porque são mortais, não condenados ao tédio.
Quando um mortal pensa sabe que não tem o resto da vida para se desenganar,
Quando um mortal sente, sente como se fosse a primeira vez, e torna-se novo a si mesmo.
Oh Musas! Quando um mortal decide, ele é tão animal e displicente...
Mas quando um mortal ama... Ah!... Quando um mortal ama...
Quando um mortal ama ele vai para além do infinito, onde deus algum
Pode alcançar, experimentar-se, compreender ou sofrer...
Oh Musas! Minhas queridas de belos trejeitos sedutores!
Entendam que eu já fui tudo e não fui nada e fui além de tudo
Comi a terra, respirei o céu, me liquefiz, e a tudo incendiei
Tornei-me deus, nada mais é novidade para mim.
Oh Musas, percebeis que há tempos não sou mais mortal
Que não estava deveras dormindo, nem vos querendo mal
Que aqui vieram a serviço do meu próprio ardil, só para eu pudesse
Vos dizer, sem sonhos, que não lhes quero nunca mais.
André Faustino
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