18 de setembro de 2020

Para ferver água


No processo de produzir energia a partir de uma fonte nuclear, os operários da indústria nuclear e todo o meio ambiente natural são contaminados com substâncias radioativas em todas as etapas do "ciclo do combustível". Esse ciclo inicia-se com a mineração, usinagem e enriquecimento do urânio, continua com a fabricação de bastões de combustível e a operação e manutenção do reator, e termina com a manipulação e armazenagem ou reprocessamento do lixo nuclear. As substâncias radioativas que escapam para o meio ambiente em cada fase desse processo emitem partículas - partículas alfa, elétrons ou fótons - que podem ser altamente energéticas, penetrando na pele e danificando as células do corpo. As substâncias radioativas também podem ser ingeridas com alimento ou água contaminados, e produzirão, nesse caso, danos no organismo.
Quando se consideram os riscos da radioatividade para a saúde, é importante assinalar que não existe um nível "seguro" de radiação, contrariamente ao que a indústria nuclear gostaria que acreditássemos. Os cientistas médicos geralmente concordam em que não existe qualquer prova de um limiar abaixo do qual a radiação possa ser considerada inofensiva; mesmo quantidades ínfimas podem produzir mutações e doenças. Na vida cotidiana, estamos continuamente expostos à radiação ambiente de baixo nível, que vem incidindo sobre a Terra há bilhões de anos e que também é proveniente de fontes naturais presentes em rochas, na água e em plantas e animais. Os riscos desse background natural são inevitáveis, mas aumentá-los significa jogar com nossa saúde.
A reação nuclear que tem lugar num reator é conhecida como fissão. É um processo em que os núcleos de urânio se fragmentam - a grande maioria desses fragmentos são substâncias radioativas -, liberando mais calor e mais um ou dois nêutrons livres. Esses nêutrons são absorvidos por outros núcleos que, por sua vez, se fragmentam, pondo assim em movimento uma reação em cadeia. Numa bomba atômica, essa reação em cadeia termina numa explosão, mas, num reator, ela pode ser controlada com a ajuda de bastões moderadores, que absorvem alguns dos nêutrons livres. Desse modo, a velocidade da fissão pode ser regulada. O processo de fissão libera uma quantidade de calor, que é usado para ferver água. O vapor resultante aciona uma turbina que gera eletricidade. Portanto, um reator nuclear é um aparelho altamente sofisticado, dispendioso e extremamente perigoso usado para ferver água.
(...)
Um outro problema sério da energia nuclear é o do armazenamento dos resíduos da fissão nuclear, o lixo atômico. Cada reator produz anualmente toneladas de lixo radioativo, que se mantém tóxico durante milhares de anos. O plutônio, o mais perigoso dos subprodutos radioativos, é também o de mais longa vida; mantém sua periculosidade durante, pelo menos, 500 000 anos. É difícil apreender a enormidade desse período de tempo, o qual excede em muito a extensão temporal que estamos habituados a considerar dentro dos nossos períodos individuais de vida, ou da vida de uma sociedade, nação ou civilização. Meio milhão de anos é um período cem vezes mais extenso do que toda a história documentada. É um período de tempo cinquenta vezes maior do que o que transcorreu desde o fim da Era Glacial até os dias de hoje, e mais de dez vezes mais extenso do que o de toda a nossa existência como seres humanos com nossas atuais características físicas. É esse o período de tempo durante o qual o plutônio deve permanecer isolado do meio ambiente. Que direito moral temos nós de deixar um legado tão mortal a milhares e milhares de gerações vindouras?

Fritjof Capra

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