1 de dezembro de 2019

Alma revelada


A noite em que me sentei para ler Dostoiévski pela primeira vez foi um acontecimento muito importante em minha vida, mais importante mesmo que meu primeiro amor. Foi o primeiro ato deliberado e consciente que teve significado para mim; mudou toda a face do mundo. Se é verdade que o relógio parou naquele instante em que ergui o olhar após a primeira engolida a seco, já não sei. Mas o mundo parou por um momento, isso eu sei. Era meu primeiro vislumbre da alma de um homem, ou devo dizer simplesmente que Dostoiévski foi o primeiro homem a revelar-me sua alma? Talvez eu fosse um pouco esquisito antes disso, sem perceber, mas a partir do momento em que mergulhei em Dostoiévski me tornei definitiva, inequívoca e alegremente esquisito. O mundo comum, desperto e rotineiro, acabou para mim. Qualquer ambição ou desejo de escrever também morreu - por muito tempo. Eu era como um daqueles homens que estiveram tempo demais nas trincheiras, tempo demais sob fogo. O sofrimento comum, a inveja humana comum, as ambições humanas comuns - não passavam de um monte de merda para mim.
 
Henry Miller

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