26 de outubro de 2016

No continente mais próximo de você


A família de Saidu não conseguiu sair da aldeia durante o ataque. Junto com os pais e três irmãs, que tinham dezenove, dezessete e quinze anos, ele se escondeu debaixo da cama durante a noite. Pela manhã os rebeldes invadiram a casa e encontraram seus pais e as três irmãs. Saidu tinha ido ao sótão pegar o que havia de arroz para a família levar na fuga, quando os rebeldes entraram. Ele ficou no sótão, sentado, segurando a respiração e escutando os gritos das irmãs, enquanto eram estupradas pelos rebeldes. O pai gritava para que parassem, e um dos rebeldes o atingiu com a coronha da arma. A mãe de Saidu chorava e pedia perdão às filhas por tê-las colocado no mundo para serem vítimas daquela loucura. Depois de estuprar as meninas várias vezes, eles juntaram os bens da família e fizeram o pai e a mãe carregar tudo. Levaram as meninas com eles.
- Até hoje eu carrego a dor que meus pais e minhas irmãs sentiram. Eu desci do sótão quando os rebeldes partiram, não consegui suportar e as lágrimas ficaram congeladas nos meus olhos. Senti como se minhas veias estivessem sendo arrancadas do corpo. Ainda me sinto assim o tempo todo, e não consigo parar de pensar naquele dia. O que foi que minhas irmãs fizeram para merecer aquilo? - Saidu disse depois de nos contar a história certa noite, numa aldeia abandonada. Até meus dentes doeram enquanto eu ouvia a história. Foi quando entendi porque ele era sempre tão calado.
 
Ishmael Beah

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