Agora, o que nenhum arranha-céu poderá ter, e as casas antigas tinham, é esse ar humano, esse modo comunicativo, essa expressão de gentileza que enchiam de mensagens amáveis as ruas de outrora.
Havia o feitio da casa: os chalés, com aquelas rendas de
madeira pelo telhado, pelas varandas, eram uma festa, uma alegria, um vestido
de noiva, uma árvore de Natal.
As casas de platibanda expunham todos os seus disparates
felizes: jarros e compoteiras lá no alto, moças recostadas em brasões, pássaros
de asas abertas, painéis com datas e monogramas em relevos de ouro.
Tudo isso queria dizer alguma coisa: as fachadas
esforçavam-se por falar. E ouvia-se a sua linguagem com enternecimento.
Mas, hoje, quem se detém a olhar para rosas esculpidas,
acentos, estrelas, cupidos, esfinges, cariátides?
Eram recordações mediterrâneas, orientais: mitologia,
paganismo, saudade. (Que quer dizer saudade? E para que e o que recordar?)
Os jardins tinham suas deusas, seus anões possuíam mesmo
bosques, onde morariam ecos e oráculos; e pequenas cascatas, pequenas grutas
com um pouco d’água para os peixinhos.
Possuíam canteiros de flores obscuras – violetas,
amores-perfeitos – para serem vistas só de perto, carinhosamente, uma por uma,
de cor em cor. (Hoje, estes ventos grandiosos apagam tudo.)
E, lá dentro, as casas tinham corredores crepusculares,
porões úmidos, habitados por certos fantasmas domésticos, que de vez em quando
se faziam lembrar, com seus pálidos sopros, seus transparentes calcanhares,
suas algemas de escravidão.
As famílias abrigavam cortejos de mortos. E havia as claraboias.
Luz como aquela? Nem a do luar! – uma suavidade de cinza e marfim, a maciez da
seda, o fulgor da opala.
As casas eram o retrato de seus proprietários. Sabia-se logo
de suas virtudes e defeitos. Retratos expostos ao público: nem sempre
simpáticos, mas geralmente fiéis. Agora, os andaimes sobem, para os
arranha-céus vitoriosos, frios e monótonos, tão seguros de sua utilidade que
não podem suspeitar da sua ausência de gentileza.
Qualquer dia, também desaparecerão essas últimas casas coloridas que exibem a todos os passantes suas ingênuas alegrias íntimas – flores de papel, abajures encarnados, colchas de franjas – e cujas risonhas proprietárias têm sempre um Y no nome, Yara, Nancy, Jeny…
Ah! Não veremos mais essas palavras, em diagonal, por cima
das janelas, de cortininhas arregaçadas, com um gatinho dormindo no peitoril.
Afinal, tudo serão arranha-céus. (Ninguém mais quer ser como é: todos querem
ser como os outros são.)
E eis que as ruas ficarão profundamente tristes, sem a
graça, o encanto, a surpresa das casas que vão sendo derrubadas. Casas
suntuosas ou modestas, mas expressivas, comunicantes.
Cecília Meireles
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