Universos simbólicos que num certo período histórico funcionaram de forma utópica passam a exercer, no período que se segue, uma função conservadora. Explosões carismáticas se domesticam em rotinas burocráticas, profetas se metamorfoseiam em sacerdotes, revolucionários, uma vez no poder, se tornam conservadores. A ciência, sem dúvida alguma, exerceu uma função altamente crítica e revolucionária quando do seu surgimento. Sua metafísica, seus métodos e suas alianças sociais colidiam frontalmente com aqueles da ordem hierárquica, religiosa e estática dominante. Entretanto, uma vez demolido este mundo, a ciência perdeu, progressivamente, o seu gume crítico. O seu poder manipulador cresceu na razão inversa do seu poder questionador. Com o advento da civilização utilitária e pragmática, a ciência, como especialista na manipulação de coisas e pessoas, tornou-se numa peça indispensável deste lado. A nossa sociedade não se tornou mais científica por ter mais cientistas. O contrário é a verdade. Temos mais cientistas hoje que durante todo o resto da história porque os interesses econômicos conseguiram colocar a ciência a seu serviço. A sociedade não se tornou mais científica. A ciência se transformou numa função explorável.
Rubem Alves
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