As florestas nativas constituem a parte mais interessante das paisagens do Brasil; mas também a menos suscetível de descrição. Em vão procuraria o artista um posto de observação nessas florestas em que o olhar não penetra além de poucos passos; as leis de sua arte não lhe permitem exprimir com inteira fidelidade as variedades inumeráveis das formas e das cores da vegetação em que ele se vê envolvido. É igualmente impossível suprir essa falha por meio de uma descrição e muito erraria quem imaginasse consegui-lo através de uma nomenclatura completa ou de uma repetição frequente de epítetos ininteligíveis ou demasiado vagos. O escritor vê-se manietado pelas regras da sã razão, e pela teoria do belo, dentro de limites tão estreitos quanto os do próprio pintor e que é dado somente ao naturalista transpor. Para estabelecer uma comparação entre as florestas do Brasil e as mais belas e antigas do nosso continente, não basta ressaltar apenas a maior extensão das primeiras, ou o tamanho das árvores, faz-se imprescindível assinalar ainda, como diferenças características, as variedades infinitas das formas dos troncos e das folhas e dos galhos, além da riqueza das flores e da indizível abundância de plantas inferiores e trepadeiras que preenchem os intervalos existentes entre as árvores, contornam-nas e enlaçam-lhes os galhos, formando dessa maneira um verdadeiro caos vegetal. Nossas florestas não podem sequer dar-nos uma ideia mesmo longínqua. Nas florestas primitivas, as árvores e as folhas são aquilo que oferece ao europeu maior analogia com o que ele já conhece; mesmo assim, alguma há com um caráter bem particular. Citarei a figueira da América, cujas raízes parecem contrafortes dos troncos esguios, e as begônias de flores amarelo-ouro. As inúmeras variedades de palmeiras são inteiramente inéditas para o europeu, bem como as árvores da espécie dos fetos, produtos de um mundo desconhecido. Em vão tentaríamos exprimir por palavras a graça e a beleza desses seres que os poetas, à míngua de expressões capazes de pintá-los, nos apresentam como a própria perfeição. Várias espécies de palmeiras atingem uma altura de 200 pés, balançando suas leves peças por cima das árvores mais altas da floresta. O pinheiro, com seu verde sombrio, aparece isolado no meio dessa rica vegetação. Aqui a natureza produz e destrói com o vigor e a plenitude da mocidade: dir-se-ia que revela com desdém seus segredos e tesouros diante do homem, o qual se sente atônito e humilhado ante essa força e essa liberdade de criação.
A natureza animal revela também admiráveis riquezas de formas e cores. As copas das árvores são movimentadas por bandos de macacos ou papagaios e outros pássaros de plumagem variegada. As borboletas, pela beleza das cores, rivalizam com as flores sobre as quais se pousam e só são vencidas pelos diamantes, rubis e esmeraldas do colibri que bebe no mesmo cálice. Os estranhos edifícios das formigas atraem também o olhar do estrangeiro. Um sussurro contínuo e misterioso aumenta ainda o sentimento de êxtase que o penetra; ao longe ouve-se o estalo do bico do tucano, os sons metálicos da araponga, semelhantes ao barulho do malho sobre a bigorna; os gritos queixosos da preguiça, os verdadeiros mugidos de uma espécie de enormes sapos; finalmente o canto das cigarras anuncia o cair da noite. Os vaga-lumes desprendem milhares de faíscas e, como lúgubres espectros, os morcegos ávidos de sangue passeiam na solidão em voo pesado; o rugido longínquo dos tigres, o murmúrio dos rios e o crepitar das árvores caídas interrompem por intervalos a serenidade do silêncio.
A natureza inanimada está, ela própria, em harmonia com essas grandes imagens oferecidas pelas florestas primitivas da serra do Mar. Se, de um ponto mais elevado ou desbastado, o olhar consegue alcançar as montanhas, depara com massas ousadas desenhadas nas cadeias graníticas do interior; e mesmo nas florestas veem-se, não raro, blocos de rochedos tendo no seu cimo achatado jardins de belas flores. Quanto mais se avança nessas florestas, menos aberturas se encontram; pode-se andar durante vários dias sem que o céu se mostre senão de quando em quando, através das abóbadas aéreas cuja verdura cobre o viajante. A alma sente-se exausta e oprimida; anseia por uma nesga de céu, deseja rever as constelações que, mesmo sobre mares inimigos, são o consolo e a esperança do navegante.
Johan Moritz Rugendas
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