O que sucede no indivíduo, que torna inofensivo o seu gosto em agredir? Algo bastante notável, que não teríamos adivinhado e que no entanto se acha próximo. A agressividade é introjetada, internalizada, mas é propriamente mandada de volta para o lugar de onde veio, ou seja, é dirigida contra o próprio Eu. Lá é acolhida por uma parte do Eu que se contrapõe ao resto como Super-eu, e que, como "consciência", dispõe-se a exercer contra o Eu a mesma severa agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos. À tensão entre o rigoroso Super-eu e o Eu a ele submetido chamamos consciência de culpa; ela se manifesta como necessidade de punição. A civilização controla então o perigoso prazer em agredir que tem o indivíduo, ao enfraquecê-lo, desarmá-lo e fazer com que seja vigiado por uma instância no seu interior, como por uma guarnição numa cidade conquistada.
Quanto à origem do sentimento de culpa, o psicanalista pensa diferentemente dos outros psicólogos; mas também para ele não é fácil prestar contas sobre isso. Primeiro, ao se perguntar como alguém adquire sentimento de culpa, obtém-se uma resposta que não admite discussão: a pessoa se sente culpada ("pecadora", dizem os devotos) quando fez algo que é reconhecido como "mau". Em seguida, vemos como essa resposta é pouca. Após alguma hesitação, talvez se acrescente que mesmo quem não fez esse mal, e apenas reconhece em si o propósito de fazê-lo, pode se considerar culpado, e então se levantará a questão de por que, nisso, o propósito é equiparado à execução. Os dois casos, porém, pressupõem que já se reconheceu o mal como algo repreensível, cuja execução deve ser evitada. Como se chega a essa decisão? É lícito rejeitar uma capacidade original, por assim dizer "natural", para distinguir entre o bem e o mal. Com frequência o mal não é, em absoluto, uma coisa nociva ou perigosa para o Eu, mas, pelo contrário, algo que ele deseja e que lhe dá prazer. Aí se mostra, então, a influência alheia; ela determina o que será tido por bom ou mau. Como o próprio sentir não teria levado o ser humano pelo mesmo caminho, ele deve ter um motivo para se submeter a essa influência externa. Podemos enxergá-lo no desamparo e na dependência dos outros, e a melhor designação para ele seria medo da perda de amor. Se perde o amor do outro, do qual é dependente, deixa também de ser protegido contra perigos diversos, sobretudo expõe-se ao perigo de que esse alguém tão poderoso lhe demonstre a superioridade em forma de castigo. Portanto, inicialmente o mal é aquilo devido ao qual alguém é ameaçado com a perda do amor; por medo dessa perda é preciso evitá-lo. Também por causa disso não importa se já fizemos o mal ou se ainda o faremos; em ambos os casos, o perigo só aparece quando a autoridade descobre a coisa, e ela se comportaria do mesmo modo nos dois.
Chamamos a esse estado "má consciência", mas na realidade ele não merece esse nome, pois nesse estágio a consciência de culpa não passa claramente de medo da perda do amor, medo "social". na criança pequena não pode ser outra coisa, mas em muitos adultos também não há diferença, exceto que o lugar do pai, ou de ambos os pais, é tomado pela grande sociedade humana. Daí eles habitualmente se permitirem realizar o mal que lhes for agradável, se tiverem certeza de que a autoridade não saberá ou nada poderá fazer contra eles; seu medo é apenas o de serem descobertos. É com esse estado que a sociedade de hoje deve geralmente contar.
Uma grande mudança ocorre apenas quando a autoridade é internalizada pelo estabelecimento de um Super-eu. Com isso os fenômenos da consciência chegam a um novo estágio; no fundo, só então se deveria falar de consciência e sentimento de culpa. Neste ponto desaparece o medo de ser descoberto, e também se desfaz por completo a diferença entre fazer o mal e desejar o mal, pois ante o Super-eu nada se pode esconder, nem os pensamentos. A seriedade real da situação já passou, é verdade, pois a nova autoridade, o Super-eu, não tem motivo, segundo cremos, para maltratar o Eu, ao qual está intimamente ligado. Mas a influência da gênese, que faz continuar a viver o passado e superado, manifesta-se no fato de que no fundo a coisa permanece como era no início. O Super-eu atormenta o Eu pecador com as mesmas sensações de angústia e fica à espreita de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo exterior.
Neste segundo estágio de desenvolvimento, a consciência mostra uma peculiaridade que não havia no primeiro e que já não é fácil de explicar. Quanto mais virtuoso o indivíduo, mais severa e desconfiadamente ela se comporta, de maneira que precisamente os que atingem maior santidade se recriminam da mais triste pecaminosidade. Nisso a virtude perde algo da recompensa que lhe foi prometida, o Eu dócil e abstinente não goza da confiança de seu mentor, esforça-se - em vão, ao que parece - para conquistá-la. Agora se poderá objetar que essas são dificuldades artificialmente compostas, que a consciência mais rigorosa e vigilante é justamente o traço característico do ser moral, e, quando os santos se dizem pecadores, não é sem razão que o fazem, em vista das tentações para satisfazer o instinto, a que se acham expostos em medida especialmente elevada - pois é sabido que a frustração contínua só faz crescerem as tentações, ao passo que elas diminuem ao menos temporariamente com a satisfação ocasional. Um outro fato do âmbito da ética, tão rico em problemas, é que o infortúnio, ou seja, a frustração a partir de fora, promove bastante o poder da consciência no Super-eu. Enquanto as coisas vão bem para a pessoa, também a sua consciência é branda e permite ao Eu muitas coisas; quando uma infelicidade a atinge, ela se examina, reconhece sua pecaminosidade, eleva as reivindicações da consciência, impõem-se privações e castiga a si mesma com penitências.
Sigmund Freud
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