21 de março de 2019

Intelectuais no Brasil do século...


Alguns intelectuais vivendo nas cidades que se modernizavam rapidamente tenderiam a não ver a realidade mais ampla que estava atrás das fachadas modernas e das instituições políticas importadas, esquecendo-se de que o sertão ainda governava o país. Inebriavam-se com a literatura europeia, as modas europeias, fossem elas filosóficas ou políticas. Nesse sentido, a cidade teria para eles um efeito alienador. Mesmo quando estavam cientes da distância que havia entre a teoria e a prática, entre cidade e campo, iam buscar nos modelos interpretativos europeus a explicação para o que lhes parecia a "anomalia" da realidade brasileira, encontrando nas teses racistas de Gobineau e Lapouge ou nas doutrinas deterministas de Ratzel a explicação que não eram capazes de encontrar na análise da realidade brasileira. Assim, nem mesmo os mais identificados com ela, os que não perdiam a perspectiva do sertão, escapavam à miragem da Europa e dos Estados Unidos. Não raro suas aspirações inovadoras significavam menos uma resposta às necessidades estruturais, que eles próprios desconheciam, e mais o desejo de criar no país as condições necessárias para elevá-lo à categoria das nações mais civilizadas. A ambiguidade em que se debate esse tipo de intelectual fica evidente na atitude de um Tobias Barreto que, numa cidadezinha perdida no interior do Brasil, publicava em alemão um jornal que certamente não encontraria leitores, e fazia discursos, como o célebre "Discurso em mangas de camisa", atacando as oligarquias rurais numa área controlada essencialmente por elas, diante de um público provavelmente perplexo, senão atônito.
Na sua maioria, apesar de sua simpatia pelos desprotegidos e espoliados, esses intelectuais sentem-se incapazes de se aproximarem das massas rurais ignorantes e atrasadas, compostas, na sua maioria, de ex-escravos ou de imigrantes recém-chegados que mal sabiam falar a língua do país. Também seria difícil para eles aliarem-se ao emergente proletariado urbano, cujas reivindicações lhes pareciam, frequentemente, utópicas e desligadas da realidade brasileira. Daí decorre a atitude deliberadamente "ilustrada" e basicamente paternalista que assumem, falando em nome do "povo" ou dos "pobres" (conceitos vagos e abstratos que envolvem as mais diversas categorias sociais sem realmente representar nenhuma) mas não para o povo. Daí sua adesão aos esquemas evolucionistas e positivistas, o apreço pelo lema "ordem e progresso" e a simpatia com que alguns encaram a intervenção do Exército na vida política da nação, considerando-o a única força capaz de fazer frente às oligarquias e levar a cabo a modernização do país.

Emília Viotti da Costa

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