O escravo ainda é uma propriedade como qualquer outra, da qual o senhor dispõe como de um cavalo ou de um móvel. Nas cidades, em contato com as diversas influências civilizadoras, ele escapa de alguma forma àquela condição; mas no campo, isolado do mundo, longe da proteção do Estado, sem ser conhecido de nenhum dos agentes deste, tendo apenas o seu nome de batismo matriculado, quando o tem, no livro da coletoria local, podendo ser fechado num calabouço durante meses - nenhuma autoridade visita esses cárceres privados - ou ser açoitado todos os dias pela menor falta, ou sem falta alguma; à mercê do temperamento e do caráter do senhor, que lhe dá de esmola a roupa e alimentação que quer, sujeito a ser dado em penhor, a ser hipotecado, a ser vendido, o escravo brasileiro literalmente falando só tem de seu uma coisa - a morte.
Nem a esperança, nem a dor, nem as lágrimas o são. Por isso não há paralelo algum para esse ente infeliz, que não é uma abstração nem uma criação da fantasia dos que se compadecem dele, mas que existe em milhares e centenas de milhares de casos, cujas histórias podiam ser contadas cada uma com piores detalhes. Ninguém compete em sofrimento com esse órfão do destino, esse enjeitado da humanidade, que antes de nascer estremece sob o chicote vibrado nas costas da mãe, que não tem senão os restos do leite que esta, ocupada em amamentar outras crianças, pode salvar para o seu próprio filho, que cresce no meio da abjeção da sua classe, corrompido, desmoralizado, embrutecido pela vida da senzala, que aprende a não levantar os olhos para o senhor, a não reclamar a mínima parte do seu próprio trabalho, impedido de ter uma afeição, uma preferência, um sentimento que possa manifestar sem receio, condenado a não possuir a si mesmo inteiramente uma hora só na vida e que por fim morre sem um agradecimento daqueles para quem trabalhou tanto, deixando no mesmo cativeiro, na mesma condição, cuja eterna agonia ele conhece, a mulher, os filhos, os amigos, se os teve!
Joaquim Nabuco
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