27 de janeiro de 2018

Jararacas


Pelos matos e ao redor das casas se criam umas cobras a que os índios chamam jararacas; as maiores são de sete e oito palmos de comprido, e são pardas e brancacentas nas costas, as quais se põem às tardes ao longo dos caminhos esperando a gente que passa, e em lhes tocando com o pé lhes dão tal picada que se lhes não acodem logo com algum defensivo, não dura o mordido vinte e quatro horas. Estas cobras se põem também em ramos de árvores junto dos caminhos para morderem à gente, o que fazem muitas vezes aos índios, e quando mordem pela manhã têm a peçonha mais força, como a víbora; as quais mordem também as éguas e vacas, do que morrem algumas, sem se sentir de que, senão depois que não têm mais remédio. Tem estas cobras nos dentes presas, as quais mordem de ilhargas; e aconteceu na capitania dos Ilhéus morder uma destas cobras um homem por cima da bota, e não sentir coisa que lhe doesse, e zombou da cobra, mas ele morreu ao outro dia; e vendendo-se o seu fato em leilão comprou outro homem as botas e morreu em vinte quatro horas com lhe incharem as pernas; pelo que se buscaram as botas, e acharam nelas a ponta do dente, como de uma agulha, que estava metida na bota; no que se viu claro que estas jararacas têm a peçonha nos dentes. Essas cobras se criam entre pedras e paus podres, e mudam a pele cada ano; cuja carne os índios comem.

Gabriel Soares de Souza

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