Era tido como um homem inteligente. É assim que, em certos círculos, se denomina a uma espécie peculiar de indivíduos que engordam à custa alheia, que não fazem absolutamente nada, que não querem fazer absolutamente nada, e que, por sua preguiça e ociosidade eternas, têm um pedaço de banha no lugar do coração. A todo instante se pode ouvir deles mesmos que não há nada que possam fazer, devido a certas circunstâncias muito adversas e complexas, que "lhe frustram o gênio", e que por isso são "dignos de pena". Essa é a sua frase pomposa habitual, a sua palavra de ordem, a sua senha e o seu lema, a frase que esses senhores saciados e gorduchos ficam o tempo todo prodigalizando por toda parte, de modo que há muito tempo começou a nos enfastiar como um tartufismo rematado e uma conversa fiada. Aliás, alguns desses histriões que não conseguem de modo algum encontrar o que fazer - o que, aliás, nunca sequer procuram -, justamente por isso pretendem fazer com que todo mundo pense que não é um pedaço de banha que têm no lugar do coração, mas, ao contrário, de modo geral, algo muito profundo, embora o quê, precisamente, nem mesmo o maior cirurgião diria, claro que por cortesia. Esses senhores abrem caminho no mundo concentrando todos os seus instintos num sarcasmo grosseiro, numa reprovação míope e numa altivez desmedida. Como não têm mais nada a fazer a não ser ficar reparando e repisando as fraquezas e os erros alheios, e como seus bons sentimentos são tal qual os que são apanágio de uma ostra, então nem lhes é difícil, mediante tais meios de proteção, conviver com as pessoas com bastante cautela. E disso se vangloriam além da conta. Estão, por exemplo, quase convencidos de que praticamente o mundo todo deve lhes render tributo; de que o mundo é para eles como uma ostra que pegam em caso de necessidade; que todos, com exceção deles, são tolos; que todos se parecem com uma laranja ou com uma esponja, que uma vez ou outra podem espremer quando têm necessidade do suco; que são os donos de tudo, e que toda essa ordem louvável das coisas se deve justamente ao fato de serem eles pessoas tão inteligentes e peculiares. Em sua altivez desmedida não admitem quaisquer defeitos em si mesmos. Eles se parecem com aquela espécie de trapaceiros práticos, Tartufos e Falstaffs congênitos, que de tanto trapacear acabaram convencendo a si mesmos que era assim que devia ser, ou seja, que para viver tinham que trapacear; e insistiam sempre tanto em assegurar a todo mundo que eram pessoas honestas e que sua trapaçaria também era uma coisa honesta. Nunca são capazes de um exame interior consciente, de uma autoavaliação nobre: para certas coisas são rudes demais. Acima de tudo e em primeiro plano está sempre a sua própria e valiosa pessoa, seu Moloch e Baal, seu esplêndido eu. Toda a natureza e o mundo inteiro não são para eles senão um espelho esplêndido, criado para que esse ídolo possa incessantemente admirar a si mesmo e não ver nada nem ninguém além de si; depois disso, não é de se estranhar que veja tudo no mundo sob um aspecto tão disforme. Para tudo ele tem reservada uma frase feita, e, o que é o cúmulo da destreza de sua parte, uma frase da última moda. Inclusive são eles mesmos que contribuem com a moda, difundindo boca a boca por todos os cruzamentos essa ideia na qual farejam sucesso. São justamente eles que têm faro para farejar essa frase da moda e se apoderar dela antes dos outros, de tal modo que é como se ela tivesse saído deles. Eles sobretudo se abastecem de suas frases para exprimir sua profunda simpatia pela humanidade, para definir qual a forma de filantropia mais correta e justificável racionalmente e, por fim, para punir incansavelmente o romantismo, ou seja, amiúde tudo o que é belo e verdadeiro, que em cada átomo tem mais valor que toda a espécie de moluscos deles. Mas são muito toscos para reconhecer a verdade numa forma anômala, transitória e inacabada, e rejeitam tudo o que ainda não amadureceu, não é estável e está em fermentação. Um homem bem nutrido passou sua vida toda alegremente, teve tudo de mão beijada, ele mesmo não fez nada e não sabe como que é difícil fazer qualquer trabalho, e por isso ai daquele que tocar nos seus sentimentos gordurosos com alguma aspereza: ele nunca o perdoará por isso, sempre haverá de se lembrar e se vingar dele com prazer.
Fiodor Dostoievski
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