Não existem vidas grátis.
Tens de ir à procura de merecer a vida que tens, a vida que queres. Atira-te. Esfrangalha-te todo, se for preciso. Mas também não temas espreguiçar-te todo, vezes sem conta, se for preciso. O que é preciso é que sejas capaz de conquistar a vida. Arrebatá-la. Merecê-la. Sê credor – daqueles credores chatos, que cobram com persistência e sem misericórdia – do que és merecedor. E só do que és merecedor. Se não mereceste nunca aconteceu. Merece-te. E siga.
Não existe displicência feliz.
A displicência mata. Muito mais do que todo o resto. A displicência mata, consome, aperta por todos os lados. O displicente deixa-se atropelar pela incapacidade de superar. Pior ainda: o displicente deixa-se atropelar pela tolerância. Tolera o que lhe acontece porque, coitadinho, tem de ser assim, porque alegadamente só pode ser assim. Alegadamente que se vá catar. Quem tolera não ama. Não podes tolerar o que te incomoda. Se te incomoda tens duas possibilidades: ou entendes o que te incomoda como parte do que amas e então tens de amar também o que te incomoda; ou então se não o entendes como parte do que amas tens de assumidamente tentar alterar o que te incomoda. Amar não é tolerar; é revolucionar, se for necessário, o que alegadamente os politicamente corretos dizem que tens de tolerar. Alegadamente que se vá catar. Tolerar é o não coisar nem sair de cima dos pobres de espírito. Não vás no engodo. Não te encolhas. A tolerância é um anticlímax. A tolerância é o oposto da paixão. Não toleres, não sejas displicente. Nunca nenhum displicente mudou a ponta de um corno no mundo. Nunca ninguém displicente soube o que era a euforia. Nenhum orgasmo é displicente. É isso o que, mais do que tudo o resto, não deves tolerar: a ausência de luta, até à ultima possibilidade, pelo orgasmo, pela euforia, pelo pico, pelo desassossego feliz e pela paz feliz. Quando te sentires capaz de ser tolerante perante a displicência foge. Foge rápido. E siga.
Não existem humilhadores; só existem humilhados.
Em cada humilhação há pelo menos dois seres humilhados. Quem humilha humilha-se. E avança em queda. Humilhar é avançar em queda – é a contra-humanidade. O humilhador coloca-se muito mais numa posição de escravo do que de escravizador. É escravo da sua efêmera necessidade de humilhar. E nada é mais humilhante do que um humano que procura valorização na desvalorização do outro. Humilhar humilha-te. Quando te sentires humilhado sorri, levanta a cabeça. Não percas um segundo a humilhar de volta. Nenhuma humilhação se devolve – até porque, por ser humilhação, já está devolvida por defeito. E por excesso. Repito: quando te sentires humilhado sorri. E siga.
Não existem defeitos; existem singularidades.
As tuas singularidades e as singularidades dos outros. Esquece os que te exigem que mudes o que julgam que é mau. Exige-te, apenas, a manutenção íntegra, e intocável, do que pensas que és – e do que pensas que deves ser. O que és é uma construção objetivamente – e profundamente - tua. Não permitas interferências. Quem te vê não está a ver-te; está a ver-se através do que lhe dás. Não dividas o mundo em certo ou errado. Não dividas, sequer, o mundo. Dividir o mundo divide-te. E é isso – dividir para reinar – o que deves evitar. Comanda-te. Ordena-te. Não dividas nem te dividas. Nem sequer adiciones nem te adiciones. Se queres optar por uma operação matemática: multiplica-te. E siga.
Não existem voos se não existirem locais de aterragem.
Voar não consiste, apenas, em andar no ar; voar consiste, também (talvez sobretudo), na capacidade de entender quando e onde se pode levantar voo; e, mais ainda, quando e onde se pode pousar. Não queiras estar sempre em voo. O pássaro feliz não é só aquele que tem onde voar; é também aquele que tem onde pousar. Pousa. Não penses que pousar é uma seca. Não. Pousar é o outro lado da adrenalina – a adrenalina pacífica, serena. Serena quando serenar é urgente. Pousa-te sobre ti, olha-te com atenção. Percebe se está tudo em ordem com aquilo que te faz voar. Sem medo de tocar na ferida – tocar na ferida, se for feito como deve ser, é a única forma de a curar. Cura-te antes de voares. Estuda sempre que possível, ainda, os locais de aterragem. Ou então não estudes nada mas tem em ti pelo menos dez ou vinte paraquedas prontos. Se um falhar tens outro e se outro falhar tens outro. É certo que o perigo pode trazer felicidade; mas a morte, é pelo menos essa a ideia que eu tenho (contrarie-me quem já a tiver experimentado), não traz felicidade nenhuma. O voo consiste em todo o processo que te leva do chão ao ar – e é muito mais do que somente andar no ar. Pensa nisso. Sente isso. E siga.
Pedro Chagas Freitas
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