12 de janeiro de 2020

Desimportância


E que importância pode ter o fato de eu me atormentar, sofrer ou pensar? Minha presença no mundo sacudirá — para o meu grande pesar — a tranquila existência de uns e perturbará a ingenuidade inconsciente e prazerosa de outros, para o meu ainda maior pesar. Embora sinta que minha tragédia seja para mim a maior tragédia da História — maior que as quedas de impérios ou de quem sabe que desabamentos no fundo de uma mina — carrego implicitamente a sensação de minha total nulidade e insignificância. Estou convencido de que não sou absolutamente nada no universo, embora sinta que a única existência real seja a minha. Ademais, se eu fosse obrigado a escolher entre a existência do mundo e a minha existência, eu recusaria a outra, com todas as suas luzes e as suas leis, a fim de planar sozinho no Nada absoluto. Embora para mim a vida seja um suplício, não posso abdicar dela, pois não acredito no caráter absoluto dos valores transvitais pelos quais me sacrificaria. Para ser sincero, diria que não sei por que vivo e por que não cesso de viver. A chave provavelmente reside no fenômeno da irracionalidade da vida, que faz com que ela se mantenha sem motivo. E se não houver senão motivos absurdos para viver? Mas então eles ainda poderiam se chamar motivos? O mundo não merece o nosso sacrifício por uma ideia ou por uma crença. Somos hoje mais felizes graças ao sacrifício dos outros pelo nosso bem e nossa iluminação? Que bem e que iluminação? Se alguém se sacrificou para que eu fosse feliz agora, sou então mais infeliz que ele, pois não entendo por que erguer minha existência por cima de um cemitério. Há momentos em que me sinto responsável por toda a miséria da História, em que não compreendo por que alguém derramou sangue por nós. A maior ironia será, contudo, no momento em que se provar que eles foram mais felizes do que nós. Maldita seja a História toda. Nada mais neste mundo me interessa; a própria questão da morte me parece ridícula; o sofrimento, limitado e não revelador; o entusiasmo, impuro; a vida, racional; a dialética da vida, lógica e não demoníaca; o desespero, menor e parcial; a eternidade, uma conversa fiada; a existência do Nada, uma ilusão; a fatalidade, uma piada… Pois, levando a sério, que sentido tem tudo isso? Para que problematizar, para que atirar luzes ou aceitar sombras? Não seria melhor enterrar minhas lágrimas na areia às margens do mar, na mais completa solidão? Nunca chorei, porém, pois as lágrimas se transformaram em pensamentos. E não seriam esses pensamentos tão amargos quanto as lágrimas?
 
Emil Cioran

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