Incrível que Deus se una a nós.
Esta ideia só provém da consideração de nossa baixeza. Mas, se ela é bem sincera em vós, segui-a comigo até o fim e reconhecei que estamos efetivamente tão baixo que por nós mesmos somos incapazes de saber se a sua misericórdia não nos pode tornar capazes dele. Pois eu pergunto de onde vem a esse animal, que se reconhece tão fraco, o direito de medir a misericórdia de Deus e de traçar-lhe os limites que a sua fantasia lhe sugere. Tão longe de saber o que é Deus, que nem sequer sabe o que ele mesmo é; e, confuso à vista do seu próprio estado, ousa dizer que Deus não o pode tornar acessível à sua comunicação.
Mas eu gostaria de perguntar-lhe se Deus lhe pede outra outra coisa senão que o conheça e o ame; e porque julga que Deus não pode fazer-se conhecido e amado por ele, já que é naturalmente capaz de amor e de conhecimento. Indubitavelmente, ele sabe que ao menos existe e que ama alguma coisa. Portanto, se vê alguma coisa nas trevas em que anda, e se encontra algum objeto de amor entre as coisas da Terra, - por que, se Deus lhe concede algum raio da sua essência, não será ele capaz de conhecê-lo e de amá-lo segundo o modo por que lhe aprouver comunicar-se a nós? Não há dúvida, pois, que há uma presunção insuportável nessa espécie de raciocínios, embora pareçam fundados numa humildade aparente que nem é sincera, nem razoável, se não nos leva a confessar que, ignorando por nós mesmos quem somos, só podemos aprendê-lo de Deus.
Blaise Pascal
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