1 de maio de 2018

A miséria do divertimento


Quando me pus a considerar, por vezes, as diversas agitações dos homens e os perigos e fadigas a que se expõem na corte, na guerra, de onde nascem tantas disputas, empreendimentos ousados e tantas vezes condenáveis, etc., descobri que todas as desgraças dos homens provêm de uma só coisa, que é o não saberem ficar sossegados num aposento. Um homem que tivesse bens suficientes para viver, se soubesse ficar contente em sua casa, não sairia dela para aventurar-se no mar ou no cerco de uma praça. Ninguém compra por tão alto preço um posto no exército senão porque acha insuportável permanecer tranquilo na sua cidade; e só buscamos as conversações e os divertimentos dos jogos porque não podemos ficar sozinhos em nossa casa e sentir-nos felizes.
Mas quando examinei isso mais de perto, e depois de haver encontrado a causa de todas as nossas infelicidades, quis descobrir-lhes a razão, verifiquei que existe uma bem efetiva, que consiste na infelicidade natural de nossa condição débil e mortal, e tão miserável que nada nos pode consolar quando refletimos a fundo sobre ela.
Suponha-se a condição que se quiser, acrescentem-se-lhe todos os bens que podem pertencer ao homem, a realeza e o mais belo posto do mundo, e imaginem-se essas coisas acompanhadas de todas as satisfações que ele é capaz de gozar. Se lhe faltar divertimento e se o deixarem considerar e refletir sobre o que ele é, não será sustentado por essa precária felicidade; cairá necessariamente na representação das coisas que o ameaçam, das revoltas que podem ocorrer, e finalmente da morte e das doenças inevitáveis; de sorte que, se lhe faltar o que se chama divertimento, será um infeliz, e mais infeliz do que o mais ínfimo dos seus súditos, que joga e se diverte.
Por isso são tão procurados o jogo e a companhia das mulheres, a guerra e as grandes empresas. Não que haja realmente felicidade nisso, ou que alguém imagine que a verdadeira beatitude consista em possuir dinheiro que se ganhou ao jogo ou a lebre atrás da qual se corre: não os aceitaríamos se nos fossem oferecidos. O que buscamos não é esse hábito indolente e pacífico que nos dá ensejo de pensar na nossa desgraçada condição, nem os perigos da guerra, nem as fadigas dos empregos, mas sim a agitação que desvia o nosso pensamento dessas coisas e que nos distrai.
Razões pelas quais nos deleitamos mais na caça do que na presa.

Blaise Pascal

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