5 de abril de 2018

As modas e as vaidades


A cena aqui desenhada representa a partida, para o passeio, de uma família de fortuna média, cujo chefe é funcionário. Segundo o antigo hábito observado nessa classe, o chefe de família abre a marcha, seguido, imediatamente, por seus filhos, colocados em fila por ordem de idade, indo o mais moço sempre na frente.; vem a seguir a mãe, ainda grávida; atrás dela, sua criada de quarto, escrava mulata, muito mais apreciada no serviço do que as negras; seguem-se a ama negra, a escrava da ama, o criado negro do senhor, um jovem negro em fase de aprendizado, o novo negro recém-comprado, escravo de todos os outros e cuja inteligência natural mais ou menos viva vai desenvolver-se a chicotadas. O cozinheiro é o guarda da casa.
De alguns anos para cá, a imitação da moda francesa tornou elegante darem os homens, no passeio, o braço às senhoras casadas ou viúvas. As moças, caminhando duas a duas, dão-se o braço reciprocamente, maneira infinitamente muito mais cômoda de manter uma conversação antes feita sem se olharem, dissimulação exigida ou inútil garantia de um silêncio que se compraziam em denominar decência. 
Essa prerrogativa de abrir a marcha, concedida à mais moça, tornara-se o pomo de discórdia de duas irmãs quase gêmeas e solteironas, que eu tinha a honra de ver passar todos os dias diante de minha janela. Embora conservassem, na sua vestimenta, todo o frescor de um extremo asseio, percebia-se, mesmo de longe, que essas senhoritas eram mais do que sexagenárias. A mais velha, cujo desejo de enganar os passantes, ao menos na aparência, assim se evidenciava, aproveitava todos os obstáculos para passar na frente da mais moça, e esta não demorava em reconquistar sua vantagem, com toda a energia que lhe inspirava a usurpação ofensiva. Finalmente, um ano antes de minha partida, a morte de uma das duas pôs fim a essa guerra de setenta anos pelo menos, deixando à sobrevivente a tristeza de não mais poder passar por mais moça, no caso de ser a mais velha, ou, no caso inverso, a privação de não poder mais defender seus direitos naturais de uma maneira ostensiva aos olhos dos passantes, cuja atenção procurava ainda atrair com sua voz desagradável e rouca. Funesta mas inevitável consequência de uma existência por demais prolongada.

Jean Baptiste Debret

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