27 de janeiro de 2018

Que trata dos homens marinhos


Não há dúvida senão que se encontram na Baía e nos recôncavos dela muitos homens marinhos a que os índios chamam pela sua língua "upupiara", os quais andam pelo rio da água doce pelo tempo do Verão onde fazem muito dano aos índios pescadores e mariscadores que andam em jangadas onde os tomam e aos que andam pela borda da água metidos nela, a uns e outros apanham e metem-nos debaixo de água onde os afogam, os quais saem à terra com a maré vazia afogados e mordidos na boca, narizes e na sua natura e dizem outros índios pescadores que viram tomar a estes mortos, que viram sobre água uma cabeça de homem lançar um braço fora dela e levar o morto e os que isto viram se acolheram fugindo à terra assombrados, do que ficaram tão atemorizados que não quiseram tornar a pescar senão daí a muitos dias, o que também aconteceu a muitos pretos de Guiné; os quais fantasmas ou homens marinhos mataram por vezes cinco homens índios e já aconteceu tomar um monstro destes dois índios pescadores de uma jangada e levar um e salvar-se o outro tão assombrado, que esteve para morrer e alguns morrem disto; e um mestre do açúcar do meu engenho afirmou que olhando da janela do engenho que está sobre o rio e de que gritavam umas negras uma noite que estavam lavando umas formas de açúcar e que viu um vulto maior que um homem à borda da água que se lançou logo nela, ao qual mestre de açúcar as negras disseram que aquele fantasma vinha para pegar nelas e que aquele era o homem marinho, as quais estiveram assombradas muitos dias; e destes acontecimentos acontecem muitos no Verão, que no Inverno não falta negro algum.
 
Gabriel Soares de Souza

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