28 de setembro de 2017

Nenhuma nudez será castigada


Como trouxemos em nossos navios grandes quantidades de fazendas vermelhas, verdes, amarelas etc. e mandamos fazer casacos e calções sarapintados para trocá-los com víveres, bugios, papagaios, pau-brasil, algodão, pimenta e outras coisas do país que carregam em geral os nossos navios, vestem eles às vezes calças de marujo, outros somente casacos que lhes chegam às nádegas. Em geral, depois de se contemplar um pouco e passear com a vestimenta, o que não deixava de ser cômico, despiam-se e largavam os trajes em casa até que lhes desse de novo na veneta vesti-los. O mesmo faziam com os chapéus e as camisas.
(...)
Mas o que mais nos maravilhava nessas brasileiras era o fato de que, não obstante não pintarem o corpo, braços, coxas e pernas como os homens, nem se cobrirem de penas, nunca pudemos conseguir que se vestissem, embora muitas vezes lhes déssemos vestidos de chita e camisas. Os homens, como já dissemos, ainda se vestiam por vezes mas elas não queriam nada sobre o corpo e creio que não mudaram de ideia. Em verdade, alegavam, para justificar sua nudez, que não podiam dispensar os banhos e lhes era difícil despir-se tão amiúde, pois em quanta fonte ou rio encontravam, metiam-se n'água, molhavam a cabeça e mergulhavam o corpo todo como caniços, não raro mais de doze vezes por dia. Suas razões eram plausíveis e quaisquer esforços para convencê-las do contrário foram aliás inúteis. E tão forte era esse hábito e tanto se deleitavam com a nudez que não só se obstinavam em não se vestir as mulheres dos tupinambás, que viviam no Continente em plena liberdade, com seus maridos e parentes, mas ainda as próprias prisioneiras de guerra, que compráramos, e conservávamos no forte para trabalhar; embora as cobríssemos à força, despiam-se às escondidas ao cair da noite e passeavam nuas pela ilha, por mero prazer. E se não fossem obrigadas a chicote, preferiam sofrer o calor do sol e esfolar o corpo na condução contínua de terra e pedras a suportar sobre a pele o mais simples objeto.

Jean de Léry

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