22 de outubro de 2016

(Des)importante


Ao longo dos últimos duzentos anos, o melro abandonou as florestas para tornar-se um pássaro das cidades. Primeiramente na Grã-Bretanha, desde o final do século XVIII, algumas dezenas de anos mais tarde em Paris e na bacia do Ruhr. No decorrer do século XIX, ele conquistou, uma após a outra, as cidades da Europa. Instalou-se em Viena e em Praga por volta de 1900, depois progrediu em direção ao leste, ganhando Budapeste, Belgrado e Istambul.
Aos olhos do planeta, essa invasão do melro no mundo do homem é incontestavelmente mais importante do que a invasão da América do Sul pelos espanhóis ou do que a volta dos judeus para a Palestina. A modificação das relações entre as diferentes espécies da criação (peixes, pássaros, homens, vegetais) é uma modificação de ordem mais elevada do que as mudanças nas relações entre os diferentes grupos de uma mesma espécie. Que a Boêmia seja habitada pelos celtas ou pelos eslavos, a Bessarábia conquistada pelos romanos ou pelos russos, a Terra não dá importância a isso. Mas que o melro tenha traído a natureza para seguir o homem em seu universo artificial e contra a natureza, eis algo que muda alguma coisa na organização do planeta.
Contudo, ninguém ousa interpretar os dois últimos séculos como a história da invasão das cidades do homem pelo melro. Somos todos prisioneiros de uma concepção estática do que é e do que não é importante, fixamos sobre o que é importante olhares ansiosos, ao passo que, às escondidas, nas nossas costas, o insignificante conduz sua guerrilha que terminará por mudar sub-repticiamente o mundo e pulará sobre nós de surpresa.
 
Milan Kundera

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