16 de julho de 2019

Vive, maldito!


Esta toca, esta morada do eterno tédio, é minha. Eis os móveis tolos, poeirentos, escoriados; a lareira sem chamas nem brasas, suja de escarros; as tristes janelas, onde a chuva traçou uns sulcos na poeira; os manuscritos riscados ou incompletos; o almanaque em que o lápis marcou umas datas sinistras!
E esse perfume do outro mundo, de que me inebriava com uma sensibilidade requintada, foi substituído - ai de mim! - pelo fedor de tabaco mesclado com não sei que nauseabundo mofo. Agora se respira aqui o ranço da desolação.
Neste mundo estreito, mas tão cheio de desgosto, apenas um objeto conhecido me sorri: a garrafinha de láudano, minha velha e terrível amiga, fecunda - como todas as amigas, infelizmente! - em afagos e traições.
Oh, sim! O Tempo reapareceu; agora o Tempo reina soberanamente; e, com o repugnante ancião, retornou todo o seu demoníaco cortejo de Recordações, Pesares, Espasmos, Medos, Angústias, Pesadelos, Cóleras e Neuroses.
Asseguro-lhes que os segundos agora vêm forte e solenemente acentuados, e cada um deles, saltando do pêndulo, diz: "Eu sou a Vida, a insuportável, a implacável Vida!"
Há um só Segundo na vida humana que tem por missão anunciar uma boa notícia, a boa notícia que causa a qualquer pessoa um medo inexplicável.
Sim, o Tempo reina; ele retomou sua brutal ditadura. E está-me empurrando, como se eu fosse um boi, com seu duro aguilhão: "Vai, anda, burrico! Vai, sua, escravo! Vai, vive, maldito!"

Charles Baudelaire

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