24 de junho de 2019

A vida


Sim, pensa, Clarissa, está na hora deste dia acabar. Nós damos nossas festas; abandonamos nossas famílias para viver no Canadá; nós nos digladiamos para escrever livros que não mudam o mundo, a despeito de nossos dons e de nossos imensos esforços, nossas esperanças mais extravagantes. Vivemos nossas vidas, fazemos nossas coisas, depois dormimos — é simples assim, comum assim. Alguns se atiram da janela, outros se afogam, tomam pílulas; muitos mais morrem em algum acidente; e a maioria de nós, a grande maioria, é devorada por alguma doença ou, quando temos muita sorte, pelo próprio tempo. Existe apenas isto como consolo: uma hora, em um momento ou outro, quando, apesar dos pesares todos, a vida parece explodir e nos dar tudo o que havíamos imaginado, ainda que qualquer um, exceto as crianças (e talvez até elas), saiba que a essa seguir-se-ão inevitavelmente muitas outras horas, bem mais penosas e difíceis. Mesmo assim, gostamos da cidade, da manhã, e torcemos, como não fazemos por nenhuma outra coisa, para que haja mais.
Só Deus sabe por que a amamos tanto.
 
Michael Cunningham

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