23 de agosto de 2018

A patinha feia


As meninas que demonstram ter uma forte natureza instintiva muitas vezes passam por sofrimentos significativos no início da vida. Desde a época em que são bebês, são mantida presas, domesticadas, e ouvem dizer que são inconveniente ou teimosas. Suas naturezas selvagens revelam-se bem cedo. Elas são curiosas, habilidosas e possuem excentricidades leve de vários tipos, características estas que, se desenvolvidas, constituiriam a base para sua criatividade para o resto das suas vidas. Considerando-se que a vida criativa é o alimento e a água para a alma, esse desenvolvimento básico é de importância de dolorosamente crítica.
Geralmente, o isolamento precoce começa sem que seja por nenhuma culpa da criança e é exacerbado pela incompreensão, pela crueldade da ignorância ou pela perversidade proposital dos outros. Nesse caso, o self básico da psique é ferida desde cedo. Quando isso acontece, a menina começa a acreditar que as imagens negativas dela mesma, refletidas pela família e pela cultura em que vive, são não só totalmente verdadeiras mas também totalmente isentas de preconceito, de influência da opinião e de preferências pessoais. A menina começa a acreditar que ela é fraca, feia, inaceitável, e que isso continuará a ser verdade não importa o esforço que ela faça para reverter a situação.
A menina é rejeitada pelo mesmos motivos que vemos na história do patinho feio. Em muitas culturas, existe uma expectativa, quando nasce uma filha, de que ela é ou será um certo tipo de pessoa, que aja de um certo modo consagrado pelo tempo, que siga um certo conjunto de valores que, se não forem idênticos aos da família, pelo menos se baseiem nos valores da família, e que seja como for não abale os alicerces. Essas expectativas têm definições muito estritas quando um dos pais, ou ambos, sofre do desejo de ter um "anjo de filha", a criança "perfeita" e obediente.
Na fantasia dos pais, qualquer dos filhos que tenham será perfeito e refletirá apenas o jeito de ser dos pais. Se a criança for rebelde, ela pode, infelizmente, ser alvo de repetidas tentativas dos pais no sentido de realizar uma cirurgia psíquica, pois eles estarão tentando remodelar a criança e, mais do que isso, alterar o que a alma da criança exige dela mesma. Embora sua alma exija ver, a cultura ao seu redor exige a cegueira. Embora sua alma deseje exprimir sua verdade, ela é forçada ao silêncio. Nem a alma da criança, nem sua psique, podem aceitar essa situação. A pressão no sentido de se "adequar", seja qual for a definição que a autoridade dê ao padrão, pode perseguir a criança até que ela fuja para longe, para um mundo oculto ou para vaguear muito tempo à procura de um lugar para se abrigar e viver em paz.

Clarissa Pinkola Estés

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