Essa chácara era uma propriedade agrícola em miniatura, ocupada pelo seu proprietário - o senhor de terras, como costumamos dizer - que residia junto à nossa casa. Tratava-se de um português que, à custa de trabalho e economia, havia conseguido enriquecer e, já beirando os cinquenta anos mas ainda solteirão, vivia rodeado de seus oito ou nove escravos. Era homem de preparo regular e dotado de desenvolvimento intelectual acima do comum; despendia, porém, toda a sua energia em dar serviço aos negros e evitar que se entregassem à ociosidade. Qualquer trabalho que poderia ser facilmente feito por três homens, era executado displicentemente por nove ou mais escravos.
Sua atenção se dividia entre o pedreiro, o carpinteiro, o cocheiro e os criados de dentro; mesmo assim, porém, uns atrapalhavam aos outros. Finalmente conseguiu descobrir a forma de mantê-los ocupados. Precisava levantar um muro em redor de sua chácara; não de construção precária, comum, mas um trabalho sólido, de alvenaria espessa. Para tanto comprou a necessária pedra e, ajustando um mestre de obras, conseguiu que a cada escravo fosse distribuída uma certa tarefa de longa duração. Isso parece ter proporcionado grande alívio ao Sr. Bastos, que se mostrava irreconciliável inimigo da ociosidade, apesar de nada mais fazer que dar trabalho aos outros. Levantava-se pela manhã bem cedo, mas não tendo tempo de se vestir, atirava sobre os ombros seu capote, calçava as tamancas e punha-se em atividade. Se algum serviço não estava sendo feito de conformidade com as suas ordens, o escravo faltoso recebia o competente número de chibatadas. Depois disso o almoço lhe sabia bem. Durante o resto do dia visitava e inspecionava todos os recantos de sua propriedade. Parecia ter aversão de pisar sobre solo que não fosse seu; entretanto, quando por acaso encontrava os amigos tornava-se extremamente sociável e desabafava com eles suas alegrias e tristezas numa linguagem fluente e elegante. Gostava também de leituras, mas os livros que possuía estavam de tal forma atacados pelas baratas e por outros insetos, que jamais pensava em aumentar-lhes o número. Era ávido por notícias, mas os jornais estampavam tantas tolices que não gostava de comprá-los. Costumava, porém, tomá-los por empréstimo e ficava sempre penhoradíssimo pela leitura dos diários. Certa vez cedemos-lhe um livro impresso em Lisboa, em 1833, sob o título de "Explicação das superstições, a verdade revelada; no qual se encontram as superstições da missa, dos altares privilegiados, das indulgências, o abuso das esmoladas para as almas do purgatório, as férias dos padres, etc, etc". O Sr. Bastos achou o livro muito interessante e teceu várias considerações com relação aos assuntos nele versados; acrescentou, porém, que, em outros tempos qualquer passagem do livro poderia ter custado a vida ao seu autor; mesmo em 1833 o escritor não tivera coragem de revelar sua identidade, apesar de que todo o mundo sabia que o que ele escrevera era verdade. Apesar de tudo, porém, é grande o perigo de se verberarem costumes religiosos ainda que corruptos. A religião é como um grande rio e é perigoso tentar impedir ou alterar o seu curso.
Daniel Kidder
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