Cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz. Fatores os mais variados atuarão para influir em sua escolha. Depende de quanta satisfação real ele pode esperar do mundo exterior e de até que ponto é levado a fazer-se independente dele; e também, afinal, de quanta força ele se atribui para modificá-lo conforme seus desejos. Já neste ponto a constituição psíquica do indivíduo, à parte as circunstâncias externas, será decisiva. Aquele predominantemente erótico dará prioridade às relações afetivas com outras pessoas; o narcisista, inclinado à autossuficiência, buscará as satisfações principais em seus eventos psíquicos internos; o homem de ação não largará o mundo externo, no qual pode testar sua força. Para o segundo desses tipos, a natureza de seus dons e a medida de sublimação instintual que lhe é possível determinarão onde colocará seus interesses. Toda decisão extrema terá como castigo o fato de expor o indivíduo aos perigos inerentes a uma técnica de vida adotada exclusivamente e que se revele inadequada. Assim como o negociante cauteloso evita imobilizar todo o seu capital numa só coisa, também a sabedoria aconselhará talvez a não esperar toda satisfação de uma única tendência. O êxito jamais é seguro, depende da conjunção de muitos fatores, e de nenhum mais, talvez, que da capacidade da constituição psíquica para adaptar sua função ao meio e aproveitá-lo para conquistar prazer. Quem possuir uma constituição libidinal particularmente desfavorável e não tiver passado apropriadamente pela transformação e reordenação de seus componentes libidinais, imprescindível para realizações posteriores, terá problema em obter felicidade da sua situação externa, ainda mais quando for colocado frente a tarefas mais difíceis. A última técnica de vida, que ao menos lhe promete satisfações substitutivas, é a fuga para a doença neurótica, que em geral ele empreende ainda jovem. O indivíduo que numa idade posterior fracassa nos esforços pela felicidade, encontra ainda consolo no prazer obtido por meio da intoxicação crônica, ou faz a desesperada tentativa de rebelião que é a psicose.
A religião estorva esse jogo de escolha e adaptação, ao impor igualmente a todos o seu caminho para conseguir felicidade e guardar-se do sofrimento. Sua técnica consiste em rebaixar o valor da vida e deformar delirantemente a imagem do mundo real, o que tem por pressuposto a intimidação da inteligência. A este preço, pela veemente fixação de um infantilismo psíquico e inserção num delírio de massa, a religião consegue poupar a muitos homens a neurose individual. Mas pouco mais que isso. Existem, como dissemos, muitos caminhos que podem levar à felicidade, tal como é acessível ao ser humano, mas nenhum que a ela conduza seguramente. Tampouco a religião pode manter sua promessa. Quando o crente se vê finalmente obrigado a falar dos "inescrutáveis desígnios" do Senhor, está admitindo que lhe restou, como última possibilidade de consolo e fonte de prazer no sofrimento, apenas a submissão incondicional. E, se está disposto a isso, provavelmente poderia ter se poupado o rodeio.
Sigmund Freud
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