27 de outubro de 2016

Luz no instante presente


São tão puras as relações da alma com o espírito divino que procurar intermediadores é uma profanação. É imprescindível que, quando Deus fale, comunique não uma única coisa, mas todas as coisas; que preencha o mundo com sua voz; que espalhe luz, natureza, tempo, almas, do centro do pensamento presente, e redate e recrie o todo. Todas as vezes que uma mente é simples e recebe a sabedoria divina, as coisas antigas fenecem - meios, mestres, textos, templos desabam; ela vive, então, no agora, e absorve o futuro e o passado na hora presente. Não importa essa coisa como outras, todas as coisas se tornam sagradas por força de sua relação com ela. Tudo o que existe decompõe-se em seu centro devido aos desígnios da mente: diante do milagre universal, milagres insignificantes e particulares desaparecem. Não acreditai, portanto, quando um homem sustenta conhecer Deus e falar dele, e vos faz retornar à fraseologia de alguma antiga nação dizimada em outro país, em outro mundo. A noz é melhor que a nogueira, que é sua plenitude e compleição? O pai é melhor que o filho, em quem depositou seu ser aprimorado? Essa idolatria do passado vem então de onde? Contra a sanidade e autoridade da alma os séculos conspiram. Tempo e espaço são apenas cores fisiológicas confeccionadas pela visão, mas o espírito é luz; onde ele está é dia; onde ele esteve é noite; e a história é uma impertinência e uma injúria, se de alguma maneira for algo mais do que um apólogo bem humorado ou uma parábola do meu ser e devir.
Tímido e apologético é o homem; não mais se apruma; não se atreve a dizer "eu penso", "eu sou", porém menciona algum santo ou sábio. Diante de uma folha de grama ou de uma rosa que desabrocha é invadido pela vergonha. Sob minha janela essas rosas não fazem referência a rosas anteriores ou melhores; elas são pelo que são; existem hoje com Deus. O tempo para elas não existe. Existe a rosa simplesmente; ela é perfeita em cada momento de sua existência. Mesmo antes de o botão ter-se aberto, sua vida inteira pulsa; e na flor inteiramente desabrochada não há mais, nem há menos vida que na raiz sem folhas. Repleta está sua natureza, e ela satisfaz a natureza em todos os seus momentos, quaisquer que sejam eles. O homem, no entanto, adia ou recorda; não vive no presente, mas sim com olhos voltados para o passado, que lamenta, ou, indiferente às riquezas que o rodeiam, equilibra-se na ponta dos dedos dos pés para prever o futuro. Somente quando viver com a natureza no presente, acima do tempo, o homem poderá ser feliz ou forte.
 
Ralph Emerson

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