27 de outubro de 2016

Infelicidade inconsciente


A classe mais infeliz de seres humanos é composta dos que ignoram a sua própria infelicidade. São os profanos absolutos, os analfabetos integrais da espiritualidade. Os que vivem, ou antes vegetam, ao sabor das impressões meramente sensitivas, como há centenas de milênios atrás, quando o ancestral do homem, o infra-homem, não sabia usar ainda a faculdade superior que o distingue do mundo irracional - embora essa faculdade já se achasse, em estado potencial, nas profundezas do seu ser.
A maior parte dos homens que vive ainda no plano puramente sensório serve-se da sua inteligência unicamente para alargar e intensificar as satisfações orgânicas; praticamente, não ultrapassa as barreiras da matéria; nada enxerga para além dessas fronteiras. Quando alguém lhes fala de um mundo ultra-sensível, ficam a olhá-lo estupidamente, sem nada compreender. Alguns deles consideram o homem espiritual como um pobre iludido, caçador de miragens e sonhador de quimeras. Outros têm-no em conta de hipócrita que quer dar-se uns ares de importância perante a turbamulta dos materialistas e agnósticos. Outros ainda admiram o homem espiritual como um "idealista", mas cujas idéias e ideais não devem ser tomados a sério, uma vez que, no entender deles, são inaplicáveis à vida real; perdoam ao idealista a "fraqueza" de se refugiar num mundo de sonhos e ilusões, já que o mundo da crua realidade o tratou com tanta dureza e lhe pôs a alma em chaga viva.
Esses profanos são profundamente infelizes, precisamente porque nem ao menos suspeitam a sua infelicidade. O mais deplorável dos doentes é aquele que ignora a sua doença, ou até a considera como estado normal de perfeita saúde. O mais deplorável dos cegos é aquele que tem a sua cegueira em conta de visão. O mais deplorável dos profanos é aquele que considera a sua ignorância como a quintessência da sabedoria da vida. A sua "felicidade" não é senão o fruto da sua horrorosa obtusidade espiritual. É preferível a mais dolorosa infelicidade do homem pensante a essa horripilante felicidade do homem que nunca pensou...
 
Huberto Rohden

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